A política relutante

A luta pacífica dos bielorrussos tem enfraquecido as estruturas de segurança e o regime, que os opositores pensam estar por um fio. Por isso é tão importante a contínua pressão a nível interno, como internacional, a começar pela União Europeia.

Svetlana Tykanovskaya foi a grande surpresa das eleições de agosto passado na Bielorrússia, por ser uma candidata improvável que acabou por se tornar a líder incontornável da oposição na luta pela democratização do país. A União Europeia não reconheceu o resultado das eleições e desde então tem condenado a repressão brutal do regime, aplicou sanções e desviou a cooperação para a sociedade civil.

Na Bielorrússia não há liberdade, nem democracia nem respeito pelos direitos humanos. Fazer política é sinónimo de perigo e de risco de vida. Os opositores, os jornalistas e quem se manifesta contra o regime nunca está em segurança. As pessoas são enfiadas em carrinhas à força, as suas casas são vasculhadas, presas, torturadas, assassinadas. E, não obstante, esta brutalidade pode ser também uma forma de esconder o esboroamento das estruturas do regime.

Isolado internacionalmente e em desespero de causa para manter o poder, o ditador Lukashenko voltou-se para a Rússia, com quem tem tido relações antagónicas, recusando, por exemplo, reconhecer a anexação da Crimeia. Putin, claro, acolhe Lukashenko de braços abertos, sempre cioso em manter a sua esfera de influência nos países da sua vizinhança, particularmente nos que fizeram parte do império soviético. A Rússia, por isso, pode ser um problema para a democratização e libertação da Bielorrússia.

A causa do povo bielorrusso merece atenção e apoio. Não apenas por se tratar de uma ditadura já com 26 anos, mas porque é uma revolução possível que tem sido conduzida por meios sempre pacíficos, com manifestações gigantescas em desafio ao medo. E só querem eleições livres e transparentes, o fim da repressão e a libertação dos presos. Não lhes interessam os cálculos geopolíticos, nem serem pró-europeus ou contra a Rússia. Querem apenas ser donos da sua soberania e independência para decidir o seu destino em liberdade.

Além disso, o surgimento de Svetlana Tykanovskaya na contestação ao ditador tem uma aura especial de algum romantismo, uma certa pureza e mesmo alguma beleza, apesar do sangue derramado.

Como lhe chamou uma jornalista da BBC, a candidata que se tornou um símbolo dos bielorrussos é uma política relutante, precisamente por se ver a si própria muito menos como política do que como um instrumento do destino que lhe colocou nas mãos uma missão, que exige imensa coragem. Svetlana é uma mulher empática que transmite uma aparência de fragilidade, por detrás da qual existe uma determinação serena e inabalável. E quem já se cruzou com ela consegue pressentir isso mesmo.

Provavelmente ninguém a conheceria se o seu marido não tivesse sido afastado e preso por ousar desafiar Lukashenko, tal como aconteceu a outros candidatos. E, por isso, este é também um combate por amor. Por amor ao marido, ao povo bielorrusso, à liberdade.

Apesar de muito rapidamente se ter tornado uma esperança para os bielorrussos, Svetlana afirma não ter propriamente intenções de vir a ser Presidente. Encara-se mais como um símbolo. E, assim, uma mulher com ar bondoso torna-se forte e arranja coragem para enfrentar a brutalidade do regime. Mas sem esconder o medo que tem, por si e pelo seu povo. O que mais deseja, por isso, é libertar o seu país do medo.

A luta pacífica dos bielorrussos tem enfraquecido as estruturas de segurança e o regime, que os opositores pensam estar por um fio. Por isso é tão importante a contínua pressão a nível interno, como internacional, a começar pela União Europeia. E isso enerva Lukashenko, que mais uma vez recorreu à intimidação ao pedir a extradição de Svetlana ainda durante a sua visita a Lisboa.

O primeiro-ministro, António Costa, o ministro dos Negócios Estrangeiros e o Parlamento receberam Svetlana e fizeram muito bem, porque dá força e confiança aos bielorrussos. E também porque este é um momento importante para a União Europeia fazer a defesa dos seus valores, como a democracia e o Estado de direito. Para que as ditaduras passem a ser uma coisa do passado e o poder da democracia possa reafirmar a sua força.

Svetlana disse ter gostado da sua passagem por Portugal e que os seus encontros correram bem, porque sentiu “uma vontade genuína de ajudar”. “Aqui sinto-me em casa”, disse durante a visita ao Parlamento. Não seria de esperar menos do acolhimento português.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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