Supremo espanhol pede garantias à Justiça europeia para actuar contra Puigdemont

A três dias da tomada de posse do parlamento autonómico da Catalunha, juiz revoga estatuto de semiliberdade aos líderes independentistas condenados e os partidos nacionalistas continuam sem se entender.

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O ex-presidente catalão continua a ser eurodeputado e vai recorrer da decisão YVES HERMAN/Reuters

Receando que os tribunais belgas voltem a recusar extraditar o ex-presidente catalão Carles Puigdemont, o juiz Pablo Llarena decidiu dirigir-se ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) com uma série de questões sobre como interpretar o direito europeu. Horas depois de ser conhecido o levantamento da imunidade de que Puigdemont gozava como eurodeputado, o instrutor do processo contra os líderes independentistas no Supremo Tribunal pedia assim à justiça europeia para se envolver no assunto.

Puigdemont saiu de Barcelona no fim de Outubro de 2017, dias depois de declarar unilateralmente a independência da Catalunha, na sequência do referendo soberanista de 1 de Outubro. Procurado por “rebelião, sedição e desvio de fundos”, chegou a estar detido na Alemanha mas viu tribunais de diferentes países recusarem extraditá-lo ou suspenderem a ordem de detenção europeia em seu nome. Entretanto, foi eleito eurodeputado.

Os eurodeputados votaram para retirar a imunidade a Puigdemont – 400 votos a favor, 248 contra e 45 abstenções –, a Clara Ponsatí e a Toni Comín, ex-conselheiros (equivalente a ministros) do seu governo, todos eleitos para o Parlamento Europeu em 2019. Os três continuam a ser eurodeputados; o que a decisão faz é reactivar as ordens de detenção europeias e permitir à justiça espanhola retomar a via dos tribunais para tentar conseguir a sua extradição. No caso de Puigdemont e Comín, a via judicial segue na Bélgica; em relação a Ponsati na Escócia (que ali estabeleceu residência).

Llarena receia enfrentar novos obstáculos nos tribunais nacionais e quer fazer tudo para evitar uma repetição da decisão sobre o caso de Lluís Puig (outro ex-conselheiro da Generalitat), com os juízes belgas a recusarem enviá-lo para Espanha por considerarem que o Supremo espanhol não é competente (e que deveriam ser os tribunais da Catalunha a ocupar-se do processo) e por verificarem risco de violação do direito fundamental a ser julgado por um tribunal independente e imparcial.

O que Llarena quer é que o Tribunal da UE determine de forma clara que motivos podem ser alegados para recusar cumprir uma ordem de detenção europeia. Em simultâneo, Puigdemont e os outros dois eurodeputados catalães procurados em Espanha recorrerão da retirada de imunidade para o mesmo TJUE.

Este levantamento não foi a única notícia má do dia para o independentismo catalão – nem a única a contribuir para exacerbar tensões políticas em Barcelona e, principalmente, em Madrid. Um juiz catalão revogou o estatuto de semiliberdade de que gozavam desde Janeiro sete dos presos do processo independentista, incluindo o ex-vice-presidente de Puigdemont e líder da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), Oriol Junqueras, e os líderes das organizações ANC (Associação Nacional Catalã) e Òmnium Cultural, Jordi Sànchez e Jordi Cuixart.  

O grau de semiliberdade em que se encontravam permitia-lhes sair da prisão para trabalhar e fazer voluntariado (e permitiu-lhes participar em acções de campanha nas eleições legislativas catalãs de Fevereiro). Com a decisão tomada em resposta ao recurso apresentado pela Procuradoria espanhola regressam ao estatuto mais comum, que lhes permite sair da cadeia 36 dias por ano através de autorizações pontuais.

Ameaças ao PSOE

Mas ainda antes de se conhecer a decisão da justiça catalã – com Junqueras a garantir que todos os condenados vão continuar a “trabalhar incansavelmente pela liberdade, a justiça social e a República Catalã” – em Madrid o porta-voz do seu partido no Congresso, Gabriel Rufián, assinalava o mal-estar provocado pelo voto dos eurodeputados socialistas a favor do levantamento da imunidade dos ex-dirigentes catalães em Bruxelas.

“Se continuam assim, acabarão a festejar nas suas casas, e não na Moncloa” (nome do Palácio que é a residência oficial do primeiro-ministro), afirmou Rufián, questionado sobre os “aplausos” dos socialistas. O Governo desvalorizou as declarações, mas estas não deixam de ser vistas como uma ameaça velada por parte de um partido que o tem apoiado ao longo da legislatura.

A decisão que veio de Bruxelas afastou igualmente os parceiros de Governo, PSOE e Unidas Podemos, que admitiram publicamente as suas divergências. Para os socialistas, trata-se de deixar a justiça fazer o seu caminho; para os membros do partido de Pablo Iglesias, é um novo passo na judicialização de um processo cuja solução só pode ser política, defendem.

Na Catalunha, as notícias aterraram em cima das negociações para a formação de um novo executivo, saído das eleições de Fevereiro, onde os partidos independentistas reforçaram a sua maioria. A primeira reunião conjunta entre a ERC, o Juntos pela Catalunha (JxC, direita nacionalista de Puigdemont) e a CUP (anticapitalistas) terminou sem qualquer avanço. A apenas três dias para a constituição do novo parlamento, as três formações ainda não tem têm acordo nem sobre os principais cargos nem sobre uma estratégia política para fazer avançar o processo soberanista.

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