Viva a adrenalina que os netos nos trazem!

Aquilo que aprendi, de uma forma muito cansativa, reconheço, foi que os miúdos saudáveis vão querer dormir fora e que não é preciso mesmo insistir.

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@designer.sandraf

Querida Ana,

A noite de sexta para sábado foi dia de festa nesta casa, e que bem que soube. Entregaste-nos as três, como antigamente — vacinadas e com anticorpos comprovados e isoladas em escola online, já é mais do que suficiente para terem direito a passaporte para casa dos avós. As mais velhas jogaram poker de dados com o avô enquanto eu e a Marta pintámos, voltámos aos spas, com direito a exfoliação com pedra pomos, e no sábado arrumámos prateleiras e caixas de jóias e fizemos variações de Tik Toks ao sol — expusemo-nos ao máximo de vitamina D possível. Devolvi-tas cansada, mas com a prova dos nove de que a exaustão do confinamento — que senti a semana passada — é, acima de tudo, fruto do tédio e da rotina estafada. Viva a adrenalina que os netos nos trazem.

Mas queria falar-te de saudades de casa. Quando finalmente nos deitámos, as quatro no mesmo quarto porque, como sabes, não abdico de brincar aos colégios internos, a Martinha começou a chorar porque queria a mãe. As irmãs começaram a dizer-me para te ligar para a vires buscar, mas eu, por um lado, não queria nada interromper-te a noite de sossego, e por outro acreditava mesmo que era só sono e que se estivesses ali tu, ou eu, choraria na mesma. Por isso pusemos músicas, eu disse umas graças e contei histórias e mais histórias e ela acabou por adormecer.

Em criança e mesmo em adolescente, eu sofria de verdadeiros ataques de saudades quando ia dormir fora de casa e, o mais curioso, é que a minha mãe — apesar de muito exigente em quase tudo — tinha em relação a esta “fraqueza” uma empatia enorme e, por várias vezes, foi resgatar-me à meia-noite a casa de amigos. Suponho que por ter a certeza de que me iria sempre buscar se as coisas se tornassem difíceis demais, continuei a arriscar, mas suspeito que se tivesse assumido uma postura do estilo se “vais é para ficar”, eu pura e simplesmente ter-me-ia recusado a ir.

E é por isso que quero a tua opinião. Há alguma forma de saber quando é que insistir é bom — afinal se a Martinha não tivesse ficado não teria gozado desta manhã fantástica! —, e quando é que é melhor ceder e chamar os pais?

Bj


Querida Mãe,

Oh meu Deus... Como sabe eu morria de saudades de casa e foram raras as noites que passei fora até quase aos 12 anos, e quando o fiz foi porque estava apaixonada por um rapaz que ia estar numa festa, a que só podia ir se ficasse em casa de uma amiga a dormir. Mesmo hoje em dia, confesso que a primeira noite fora de casa (agora da minha) me custa imenso. O pior é que também me arrependo de não ter alinhado em tantos programas que queria fazer, mas para os quais não tive coragem.

Quando foram as minhas filhas a não quererem dormir fora de casa, foi para mim completamente óbvio que nunca as iria forçar, a não ser que fosse mesmo preciso. Mas deparei-me com um problema inesperado: uma delas queria tanto, tanto ficar, e ficava tão frustrada de não o conseguir, que era tão mau insistir para que aguentasse como dar-lhe espaço para voltar para casa. Estive anos a tentar perceber quando é que era melhor insistir e quando é que era melhor ajudar a aceitar que não fazia mal não conseguir. Aquilo que aprendi, de uma forma muito cansativa, reconheço, foi que os miúdos saudáveis vão querer dormir fora e que não é preciso mesmo insistir. Que é normalíssimo crianças até mesmo mais crescidas não ficarem confortáveis a dormir fora de casa. Que no dia que o programa for suficientemente importante para elas, encontrarão forma de superar o medo e que, como a mãe diz, quanto mais sentirem que podem recuar na decisão, mais provável será que arrisquem, e que percebam que só se consegue quando se tenta!

Mas mãe, há ainda outra coisa: para muitos pais ter os filhos fora de casa durante a noite é altamente ansiogénico. E às vezes, confesso, desmotivava os meus filhos de tentarem, porque sabia que ia passar a noite em alerta e estava tão cansada que não conseguia somar mais isso. É bom confirmarmos connosco próprios se não é isso que está a acontecer, porque às vezes – e só às vezes – enfrentar essa nossa ansiedade e perceber que o problema é mais nosso do que deles, pode ajudar-nos a dar-lhes a última força de que precisam para conseguirem.

Beijinhos!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

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