Do Iraque à Índia, contra a intolerância religiosa

Os governantes da Índia têm cultivado de forma permanente o conflito inter-religioso

O estranho normal que vivemos faz com que as visitas de Estado tenham quase desaparecido do mapa das relações internacionais. Isto só reforça a ousadia da inédita visita de um Papa ao Iraque, não só a primeira nos últimos anos de um chefe de Estado àquele país, mas também a primeira que o chefe da Igreja Católica faz após o começo da pandemia. O vírus atormenta os iraquianos e as questões de segurança, num país destroçado pelo sectarismo religioso desde a invasão norte-americana de 2003, são uma preocupação nesta visita que incluiu Mossul, controlada pelo Daesh durante vários anos.

Os observantes da Realpolitik dirão que a visita do Papa Francisco pouco servirá para melhorar o quotidiano de um povo que vive há 40 anos em estado de guerra. Mas isso seria desvalorizar o valor de esperança que representa um encontro entre o Papa e o líder espiritual da quase totalidade dos muçulmanos xiitas, Ali Sistani, e a condenação conjunta do extremismo motivado pela religião, especialmente para a comunidade cristã perseguida. Antes de 2003 seriam cerca de 1,5 milhões de fiéis, hoje serão pouco mais de 250 mil.

Lá para Maio, os defensores do pragmatismo que põe em segundo plano os direitos humanos e a defesa das minorias não terão descanso para nos explicar a importância de manter boas relações com os governantes de um país que tem cultivado de forma permanente o conflito inter-religioso e degradado o que era considerado um baluarte da democracia.

No relatório da Freedom House sobre a qualidade das democracias, divulgado a semana passada, “a maior democracia do mundo”, a Índia, caiu de “livre” para “parcialmente livre”, devido às políticas seguidas pelo primeiro-ministro, Narendra Modi, e pelo seu partido que se traduzem no “aumento da violência e políticas discriminatórias que afectam a população muçulmana e na perseguição das manifestações de dissidência por parte da imprensa, académicos e sociedade civil grupos”.

É com esta Índia que Estados Unidos – que na próxima semana juntam em cimeira Japão, Austrália e Índia –, os britânicos – que a 16 de Março apresentam a sua revisão da política externa e de defesa – e a União Europeia – que promove uma cimeira no Porto em Maio com os indianos – contam para travar o crescente poder da China.

Não se pede a António Costa, a Marcelo Rebelo de Sousa – que não têm poupado elogios ao autocrático primeiro-ministro indiano – ou aos seus congéneres europeus que sejam como o Papa Francisco, mas seriam bom que não esquecessem, até olhando para o Iraque, as vítimas e o sofrimento que causam aqueles que exploram as divisões religiosas.

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