Task force obriga Lisboa a usar critério da idade para vacinar. Mulher de 99 anos ainda aguarda chamada

Situação de utente de 99 anos que ainda não recebeu vacina motivou queixas à Entidade Reguladora da Saúde, à Provedoria de Justiça e à Direcção-Geral de Saúde.

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Daniel Rocha

O coordenador da task force para a vacinação contra a covid-19 ordenou à Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) que passasse a convocar os idosos a partir dos 80 anos e os doentes de maior risco com 50 ou mais anos usando o critério da idade, à semelhança do que está a ser feito desde o início nas outras quatro ARS do país. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo era a única do país onde a chamada para vacinação era feita de forma automática e aleatória, como noticiou o PÚBLICO.

“Os ACES [agrupamentos de centros de saúde] da região de Lisboa e Vale do Tejo estão a convocar os dois grupos de utentes prioritários por ordem decrescente de idade, de acordo com as recentes orientações do coordenador da task force”, explica a ARS de LVT adiantando que a “alteração de procedimentos ocorreu há cerca de 15 dias”.

Os idosos a partir dos 80 anos e as pessoas com 50 ou mais anos e patologias associadas a maior risco de morbilidade e mortalidade em caso de covid-19 começaram a ser vacinados no final de Janeiro, primeiro em projectos-piloto, que foram sendo gradualmente alargados a todos os centros de saúde. Na norma sobre vacinação, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) não definiu uma forma de priorização, deixando ao critério das administrações regionais de saúde a organização do processo. No Norte, no Centro, no Alentejo e no Algarve decidiu-se logo à partida que a chamada seria feita por ordem decrescente de idade, mas em Lisboa e Vale do Tejo a escolha era determinada de forma automática e aleatória.

Maria Silva, 99 anos, sem vacina

A situação foi alterada há duas semanas, mas, a crer numa queixa enviada ao PÚBLICO, ainda haverá alguns problemas na operacionalização desta mudança. Prova disso é o caso de Maria Silva, de 99 anos, que está inscrita numa unidade do centro de saúde de Sete Rios e que, até esta sexta-feira, não tinha ainda sido convocada para receber a primeira dose da vacina. Esta semana e depois de ter tido conhecimento que uma utente com 84 anos inscrita no mesmo centro de saúde já tinha sido vacinada, a filha, Teresa Silva, decidiu protestar no livro de reclamações da unidade.

Queixou-se depois à DGS, à Entidade Reguladora da Saúde e à Provedoria de Justiça. A DGS respondeu-lhe que cabe às ARS proceder ao “mapeamento das pessoas elegíveis” e que são os ACES, “consoante a sua capacidade instalada”, que têm que organizar o agendamento e a convocatória.

“A minha mãe, que sofre de Alzheimer e de colite ulcerosa, deve ser das pessoas mais idosas inscritas no centro de saúde de Sete Rios”, sublinha Teresa Silva, para quem “a ausência de um critério específico para a selecção” das pessoas a vacinar “configura uma manifesta situação de tratamento desigual e discriminação entre os utentes com a mesma idade inscritos nas administrações regionais de saúde de Lisboa e Vale do Tejo e as restantes regiões do país”.

A Direcção Executiva do Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Norte explicou, em resposta ao PÚBLICO, que, desde a alteração de procedimentos, o centro de saúde de Sete Rios “administrou as primeiras doses das vacinas a utentes de 80 ou mais anos apenas no fim-de-semana passado, considerando a disponibilidade das que podem ser aplicadas a este grupo etário [as da Pfizer e as da Moderna, uma vez que as da AstraZeneca não estão recomendadas para maiores de 65 anos em Portugal]”. E garantiu que, “assim que estejam disponíveis mais vacinas que possam ser administradas a este grupo etário – que se estima ser na próxima semana –, o centro de saúde de Sete Rios reiniciará a vacinação dos utentes com 80 ou mais anos por ordem decrescente de idade”. 

“Desde a tomada da decisão até à execução no terreno há semanas de desfasamento”, lamenta Teresa Silva, que está muito preocupada com a situação, uma vez que a mãe é acompanhada por uma equipa de cuidadores que utilizam transportes públicos. “Cada dia que passa há um risco enorme de apanhar covid-19.”

Esta sexta-feira Portugal ultrapassou a fasquia de um milhão de vacinas contra a covid-19 administradas aos grupos considerados prioritários na primeira fase da operação. Deste total, 716 mil eram primeiras doses e 284 mil eram segundas. O objectivo central é conseguir vacinar 80% da população com 80 ou mais anos até ao final deste mês, como recomendou a Comissão Europeia. Devido à escassez de vacinas, o coordenador da task force já assumiu que a primeira fase não vai terminar no primeiro trimestre, prolongando-se por Abril.

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