E se ninguém nos ouve, escrevemos

Enquanto o primeiro confinamento nos trouxe esperança, o segundo trouxe-nos um grito de ajuda, uma obsessão pela imagem, vida real contra a vida nas redes sociais. O mau tempo e o estar constantemente fechados em casa fizeram-nos ficar apegados ao mundo virtual, a uma realidade falsa.

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Paulo Pimenta

Esta pandemia tornou-se um paradoxo. Por um lado, temos uma crise sanitária, por outro, uma crise de sanidade mental. Estas duas realidades deixaram de ser compatíveis. Foi um ano de filme de terror, em que nos sentimos cordeiros a seguir um rebanho. Ouvíamos constantemente nas notícias que estávamos perante uma “guerra contra um inimigo invisível”, e nunca ninguém iria imaginar os efeitos destas constantes batalhas.

Estávamos no início de Março de 2020 e o que estava para a acontecer era muito longínquo. Relembramos conversas com amigos em que discutíamos que este vírus era ligeiro e passageiro. Estava longe de Portugal, era uma coisa impalpável, imperceptível aos olhos, e comparávamos esta situação com a da gripe A. Naquela altura, o nosso grupo decidiu passar uns dias em Vila Viçosa; recordamos discussões políticas, relações amorosas, problemas familiares, tudo com a ingenuidade de não saber o futuro.

O primeiro confinamento começou no início da Primavera, quando os pássaros cantavam, o tempo melhorava e havia esperança porque o Verão estava muito próximo. Tínhamos a solidariedade de estarmos todos a passar pela mesma situação. Por isso, tentámos arranjar escapes – o exercício físico, a pintura, a escrita ou até alguns vídeos nas redes sociais. Houve uma pausa na vida por momentos, mas pensávamos que seria temporária.

Durante este período, sentíamos falta da nossa rotina, de vestirmos uma roupa diferente e sair à rua, ver pessoas, dizer “bom dia” ao senhor do café, ao segurança da universidade e até à pessoa de que menos gostamos. Acabámos por concluir a licenciatura, mas desmotivadas pela falta de contacto social, partilha, aulas presenciais, não fechamos um capítulo da nossa vida. Concluir o curso foi um momento banalíssimo, nada sentimos.

E quanto ao amor e aos dissabores? O confinamento trouxe uma solidão que atormentou a alma, sozinhos nos nossos pensamentos, os jovens ficaram calados durante muito tempo. E, por isso, o Verão fez-nos ansiar por estímulos, carnais e sentimentais.

Veio o Verão, o final do confinamento, e cresceu em nós esta ânsia de viver. Esta estação trouxe o mar, a vitamina D, o contacto com a água salgada e a areia, viagens de carro a ouvir música aos altos berros e rir com os amigos. Foi um momento de luz e esperança, ou seja, o pesadelo finalmente tinha terminado.

Mas depois “alguém” puxou o travão de mão. Os casos começaram a aumentar, as medidas cada vez mais restritivas. O Inverno estava a chegar. Trouxe a chuva, o vento, a solidão de um quarto vazio, todos os dias a viver o mesmo dia. Afinal, o filme de terror ainda não tinha terminado. Ver familiares a perder o emprego e nós com a ansiedade de arranjar o primeiro. Missão impossível. Não conseguíamos perspectivar o futuro porque nos tinha sido roubado.

Enquanto o primeiro confinamento nos trouxe esperança, o segundo trouxe-nos um grito de ajuda, uma obsessão pela imagem, vida real contra a vida nas redes sociais. O mau tempo e o estar constantemente fechados em casa fizeram-nos ficar apegados ao mundo virtual, a uma realidade falsa. A faculdade e as notas tornaram-se irrelevantes. Dormir é uma fobia, o medo de deitar e não conseguir adormecer.

A saúde mental tornou-se um antagonismo: por um lado, é constantemente repetida, mas por outro não é sentida. E não é sentida porque custa falar, independentemente de todos os jornalistas, psicólogos e opinião pública abordar este assunto. Temos um Governo que não dá apoio. Universidade, escolas, lares, juntas de freguesia que não se unem para fazer a diferença.

O ser humano não é perfeito, não tem de ser o estudante, o filho ou o trabalhador perfeito. E a própria pessoa fica obcecada com a perfeição, sozinho na sua cabeça, porque se não atingir a perfeição não alcança o reconhecimento. Tornamo-nos obcecados com a alimentação e com o corpo. Porque “mente sã, corpo são”. Mas é difícil atingir a mente sã porque estamos sozinhos.

Precisamos de paciência, tolerância e compreensão por parte do Estado-polícia em que vivemos.

Dizem as “boas gentes” que os direitos fundamentais são extremamente importantes. A Constituição da República Portuguesa sempre foi tão certa, clara e a solução para todos os problemas da sociedade – supostamente. Que direitos fundamentais são esses? O que é a liberdade? Onde anda a democracia? Será que nos perdemos no meio desta pandemia? Era tudo tão certo antes, mas esta pandemia veio desafiar tudo.

A pandemia fez-nos tirar a máscara, será que algum dia vamos voltar à normalidade? Alguém que nos oiça.

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