Caetano de Sousa, o primeiro secretário-geral do PCP

No Outono de 1922, foi Caetano de Sousa o delegado do PCP ao IV Congresso da Internacional Comunista, na Rússia. E terá sido ali o único líder do PCP a cruzar-se com Lenine em pessoa.

Vindo do anarquismo, e com um percurso de dedicação às causas da educação e da solidariedade social, Henrique Caetano de Sousa é um exemplo de grande parte dos fundadores, e primeiros dirigentes do PCP, que depois, sob a ditadura, foram presos políticos antifascistas.

Foi esse o caso de 33% dos membros da comissão organizadora, formada em Dezembro de 1920; de 40% dos membros da “junta nacional” eleita em 1921 e do “comité central” eleito em Março de 1923; e de 43% dos membros das “comissões centrais” eleitas nos congressos de Novembro de 1923 e de 1926.         

Outro traço significativo é o facto de ter cabido a Caetano de Sousa ser o primeiro secretário-geral do PCP, em 1921/22.

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Na altura, o cargo tinha outra designação: “secretário da junta nacional” – mas era a mesma função. Segundo os primeiros estatutos do PCP (as “bases orgânicas provisórias”), no capítulo 10.º, a “junta nacional” era o “mais alto corpo executivo”, ao qual competia “manter a unidade e dirigir superiormente a acção política geral do partido”. Acresce que Caetano de Sousa era o único membro da junta nacional que integrava outro órgão chamado “comissão geral de educação e propaganda”. E era ainda o “secretário da redacção” do jornal do partido (O Comunista, 1.ª série, 1921).

No Outono de 1922, foi Caetano de Sousa o delegado do PCP ao IV Congresso da Internacional Comunista, na Rússia. E terá sido ali o único líder do PCP a cruzar-se com Lenine em pessoa. Na mesma altura, José Pires Barreira (um ex-socialista) foi o delegado português ao III Congresso da Internacional dos Jovens Comunistas.

I. Perante as eleições legislativas de 1922, foi Caetano de Sousa quem assinou a declaração política que definiu a posição do PCP. Fê-lo expressamente como “secretário da junta nacional”, em nome dos “corpos directivos”.

Pela sua voz, o PCP recusou uma oferta do Governo que lhe garantiria lugar no Parlamento. E assumiu que a sua prioridade era a “acção colectiva das massas” proletárias. Não participaria nessas eleições, mas no seu futuro congresso talvez viesse a aceitar a acção parlamentar, como meio complementar e numa postura de luta de classe face ao “Estado burguês”.

Esta foi uma questão muito acesa para um partido recém-nascido no seio do movimento sindical. A nível ideológico, a maior parte dos seus fundadores vinha do anarquismo e era menos propensa a aceitar a acção parlamentar. Outra parte, menor mas significativa, eram ex-socialistas e ex-republicanos para quem tal opção já era ponto assente.

II. O conflito que, em 1923, afastou Caetano de Sousa do PCP também já vinha em grande medida do movimento sindical. Passou muito por uma divergência de jovens mais intransigentes e radicalizados, pela experiência de miséria e repressão sob a I República – e que se opunham a uns sindicalistas mais velhos e moderados.

Depois de regressarem da Rússia, e com o apoio da Juventude Comunista, Caetano de Sousa e Pires Barreira promoveram em Março de 1923 uma “conferência nacional” do PCP, a qual aprovou um programa muito avançado à época – por exemplo, no apoio declarado à “emancipação das colónias” até à “expulsão delas de todos os imperialistas da metrópole”.

Foi também eleita uma nova direcção, o “comité central”. Caetano de Sousa tornou-se o “secretário internacional” e o jovem sindicalista José de Sousa passou a ser o secretário-geral (já com esta denominação).

Tentaram afastar os quadros mais velhos e concretizar uma linha política que consideravam mais alinhada com a Internacional Comunista, mas ficaram em minoria e o partido dividiu-se. Para debelar a crise, veio a Lisboa um delegado da Internacional, Jules Humbert-Droz, que resolveu apoiar a outra facção, mais numerosa e influente a nível sindical, apesar de, entretanto, Caetano de Sousa ter sido eleito secretário-geral de um grande sindicato, a Associação de Classe dos Empregados do Estado.

Em Novembro de 1923, o I Congresso do PCP elegeu uma nova direcção e aprovou um novo programa, mais moderado. O veterano sindicalista Carlos Rates tornou-se o novo secretário-geral.

III. Caetano de Sousa foi expulso, mas manteve-se próximo do PCP – tão próximo que, no Verão de 1925, chegou a ser proposto para secretário da importante célula do PCP na cooperativa Caixa Económica Operária. Em Maio desse ano, ele já tinha sido um dos responsáveis pela primeira revista teórica do PCP, a Correspondência Comunista.

Em Dezembro de 1925, foi eleito membro do comité central da secção portuguesa do Socorro Vermelho Internacional. Pela sua acção nesta associação, de apoio a presos políticos, veio ele próprio a ser preso pela ditadura militar, em Maio de 1927.

Já lhe tinha acontecido antes, em 1923, por ocasião de uma das várias vezes que a polícia assaltou a sede do PCP, no regime da I República.

Há depois registo de Caetano de Sousa apoiar com dinheiro a reorganização de 1929 do PCP. E em 1937 um relatório policial (da PVDE) concluía que ele continuava “a manter as suas ideias”. Nos anos 1940, ainda foi sócio da Cooperativa dos Trabalhadores de Portugal, presidida por Bento Jesus Caraça.

IV. Primo do poeta António Botto e do fadista Alfredo Marceneiro, Henrique Caetano de Sousa era um funcionário público natural de Lisboa. Nasceu em 1888, no Bairro da Mouraria. Veio a falecer em 1954 em Almada, onde se radicou já aposentado.

Entre 1911 e 1914, salientou-se num colectivo anarquista de Lisboa, o Grupo Libertário Renovação Social, que criou no Bairro do Alto do Pina uma escola primária para crianças e adultos, da qual Caetano de Sousa foi o “secretário-geral”. Era a Escola do Ensino Livre.

A partir de 1918, e até 1932, dedicou-se a uma das maiores associações mutualistas à época, a Inabilidade. Nela exerceu, ao todo, sete mandatos como primeiro-secretário efectivo da assembleia geral (e três como suplente). Mais tarde, ainda foi dirigente de outra mutualidade.

No final da vida, já na Margem Sul, Caetano de Sousa foi sócio da Sociedade Filarmónica Incrível Almadense.

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