“A crise tem de ser aproveitada para olhar para os problemas estruturais”, diz Presidente

Portugal tem uma janela de oportunidade de “meia dúzia de anos” para “refazer o ciclo político, económico e social”, afirma Marcelo. Sistema político, coesão e qualificação são prioridade. “Não podemos perder esta oportunidade”, avisa.

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Marcelo Rebelo de Sousa no aniversário do PÚBLICO, em 2020 (foto de arquivo) Nuno Ferreira Santos

É uma “corrida em contra-relógio”, mas uma oportunidade que Portugal não pode perder. Para o Presidente da República, “a crise tem de ser aproveitada para olhar para os problemas estruturais” do país ao mesmo tempo que as questões conjunturais. E a janela de oportunidade para aproveitar os fundos europeus extraordinários é de apenas “meia dúzia de anos”. “Temos de os aproveitar bem”, preconizou.

A mensagem foi deixada por Marcelo Rebelo de Sousa na conferência de abertura do Festival P, com que o PÚBLICO comemora, entre sexta e domingo, o seu 31.º aniversário, em modo digital. Sob o mote “O Mundo de Amanhã”, ao chefe de Estado foi pedido que falasse sobre como antevê o futuro de Portugal, o que Marcelo fez começando pelo passado e pelo presente.

Pôs o dedo em feridas como o império, a descolonização e o processo de democratização do país, constatando que Portugal tem uma história mais difícil de digerir do que outros países porque teve que enfrentar várias crises em simultâneo ou sucessivamente.

Falou do presente, do momento que vive a democracia, na qual “há muita coisa demasiado jovem e muita coisa demasiado envelhecida”, e do desafio na economia, em que tudo acontece “muito depressa e sofrendo as crises da conjuntura a somar às crises estruturais”. E depois olhou para o futuro.

“Em rigor, deveríamos aproveitar o futuro para resolver aquilo que vem do passado em termos estruturais, e do que vem do presente, em termos conjunturais e estruturais. É fácil de dizer, é difícil de fazer”, afirma o Presidente.

Marcelo sublinha existirem “meios muito avultados que vêm do Quadro Financeiro Plurianual e do Plano de Recuperação e Resiliência”, mas reconhece que este último já significa hoje “menos dinheiro do que aquilo que a crise já nos custou”. Por isso, avisa: “Temos de saber gerir bem, com eficácia e transparência, e sobretudo com linhas de rumo muito claras”.

A primeira é “obviamente, sairmos da pandemia”. Mas depois a crise que tem de ser aproveitada para “refazer, olhando sobretudo para os problemas estruturais”, defendeu: “Não é possível tornar a economia mais competitiva sem tocarmos mais na justiça e na administração pública. Ou mais em questões de gestão do poder político para a estabilidade e para a capacidade de mudança desse poder político”.

“São questões estruturais para o diálogo intergeracional”, diz Marcelo, incluindo nesta agenda a acção climática, com o que ela significa de transição energética e digital — uma “prioridade inevitável”.

Assim como outras, que vêm do passado e se agravaram: “Já tínhamos uma pobreza e desigualdades estruturais e esta pandemia provocou um acréscimo de desigualdades pessoais, funcionais e territoriais. Fenómenos de deslaçamento do tecido social”. Para inverter este ciclo, “tem de haver muito mais coesão social e muito mais qualificação”, criando condições para “atrair as gerações mais jovens para que não queiram partir e tenham condições para ficar”.

“Há que olhar para o urgentíssimo, o urgente, mas também o médio e o longo prazo. O tempo que perdermos agora é largamente irrecuperável”, avisou. Para a tarefa hercúlea que preconiza, “vai ser preciso uma capacidade de visão a prazo, mobilizando o maior número de pessoas para que elas acreditem, porque se não acreditam o sistema politico fica a levitar longe da realidade”.

Reforma do sistema político?

No final da sua intervenção, Marcelo demorou-se na reflexão sobre o sistema político, acenando com a necessidade de uma reforma que não passe pelo fim do regime: “Passamos a vida a pensar nos fins do regime. Nós temos de pensar é nos recomeços, no refazer de ciclos políticos”, disse.

Para fazer “o que é estrutural e conjuntural”, defende ser necessário “um sistema político forte”, que para o ser “tem de ter alternativa” e “tem de haver uma preocupação e actualização permanente dos protagonistas políticos, económicos e sociais e uma atenção àquilo que está a mudar permanentemente na sociedade portuguesa e é muito”. 

Já antes tinha dito que foram as “debilidades e fragilidades” do que está “demasiado envelhecido” na democracia que permitiram “abrir vazios que deram lugar a novos fenómenos inorgânicos, sociais e económicos e políticos, que irromperam na sociedade portuguesa nos últimos anos e se afirmam hoje, em conjunto com as realidades que vêm dos primórdios da democracia”.

Uma referência à ascensão de partidos e movimentos anti-sistémicos e que põem em causa a democracia, mas que Marcelo remete para uma minoria. Prefere acentuar “o que nos une no fundamental, além do pluralismo e da diferença”: “Queremos fazer isto em democracia e num quadro internacional” em que Portugal continue a ter “a influência que tem no mundo”. Uma alusão à recandidatura de António Guterres às Nações Unidas. 

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