Igualdade sem mas

Esta é a hora do feminismo, dos distintos feminismos não exclusivos, dos feminismos que incluem os homens que lutam pela igualdade e promovem a mudança. Ser feminista é isto: querer igualdade plena entre mulheres e homens. Nem menos, nem mais.

“As mulheres sabem que têm de organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos.” Corria o ano de 2015 quando esta frase foi proferida pelo então vice-primeiro ministro, atualmente comentador residente na TVI e um dos mais populares da televisão portuguesa. Quem tem memória recorda-se que Salazar dizia que a boa dona de casa tinha sempre muito que fazer.

A frase irrefletida de Paulo Portas poderia ter saído da boca de outro qualquer comentador, são hegemónicos nas páginas da imprensa, assim como na rádio e televisão, político ou membro de um conselho de administração. Aliás a quantidade de dislates misóginos nas televisões sucedem-se, sendo o mais recente o de um outro comentador televisivo a considerar que “as mulheres falam demais

O problema reside tanto neles como em quem lhes dá um permanente espaço televisivo para dizer barbaridades – lá está, as lideranças são no masculino e consciente ou inconscientemente veem o seu ponto de vista refletido – ou em quem escolhe quadros masculinos para a política, as lideranças ou até para painéis de especialistas para falar de “questões de mulheres”. 

Como referiu a socióloga Lígia Amâncio numa entrevista ao PÚBLICO, “as próprias formas de luta estão sujeitas a uma censura [a “desmaterialização” da luta como pretendeu um evento de homens anunciado para o dia da mulher]. Não são as vítimas que decidem como é que lutam para melhorar a sua situação, é o grupo maioritário que lhes diz o que têm que fazer para continuarem a ser boazinhas”.

Sendo mulher perturba-me o recurso por sistema a vozes masculinas dignas de pensar, de discutir o futuro de Portugal, da Europa e do Mundo, (e nas organizações e mundo empresarial homens dignos de mandar), como me indigna o recurso a “mulheres álibi”, a escolha paternalista e condescendente de algumas mulheres (que nunca morderão a mão do dono ou ousarão a crítica ao status quo) para lugares de destaque como golpe de propaganda.

Os direitos que mais de metade da população portuguesa conquistou em 1974, as oportunidades criadas pela lei continuam a falhar na prática, não obstante algumas conquistas.

A participação no mercado de trabalho é desigual, as diferenças salariais persistem, continua a ser vedado o acesso a determinadas profissões a mulheres, as barreiras no acesso aos cargos políticos persistem, a carga de trabalho doméstico é superior, o lugar mais perigoso para as mulheres portuguesas, em termos de probabilidade estatística é, paradoxalmente, a casa, de acordo com a PJ uma mulher foi morta pelo seu companheiro ou ex-companheiro a cada 20 dias em Portugal entre 2014-2019.

Não são perceções, são conclusões de estudos internacionais e nacionais, e até a insuspeita, de ser uma “perigosa feminista esquerdista”, Fundação Francisco Manuel dos Santos as subscreve.

Regresso a Lígia Amâncio, “há uma estranha tolerância em Portugal às desigualdades de género que chega a ser chocante. Como é possível que depois de 30 anos de melhoria constante das qualificações da população, em que as mulheres têm estado sempre à frente, continuem a trabalhar 53 dias à borla por ano? As pessoas convivem com este tipo de desigualdade com a maior das displicências. Isto tem a ver com a ausência de experiência histórica do feminismo. As mulheres neste país não têm voz. Logo que abrem a boca, levam uma bofetada: “Estás a ser feminista”. Ou então elas dizem: “Eu não sou feminista, mas...”

Esta é a hora do feminismo, dos distintos feminismos não exclusivos, dos feminismos que incluem os homens que lutam pela igualdade e promovem a mudança. Ser feminista é isto: querer igualdade plena entre mulheres e homens. Nem menos, nem mais.

A questão da igualdade de género, que é uma questão de direitos humanos, não é eufemismo para “direitos só para mulheres”, é a oportunidade de homens e mulheres viverem a sua em pleno e melhorar a qualidade da democracia em Portugal.

Menos testosterona, mais equilíbrio. Se não eu (e vocês), quem? Se não agora, quando?

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