Governo aprova emenda que deixa milhões de sírios deslocados em risco de ficar sem casa

Emenda a uma lei existente impõe multas de quase 7 mil euros a quem não se alistou no Exército. Medida dificulta regresso de milhões de sírios, que também não a podem contestar.

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Muitos dos deslocados sírios encontram-se em campos de refugiados. Se não tiverem servido no Exército, e não pagarem a multa, podem ficar sem casa para onde voltar MAHMOUD HASSANO/Reuters

Os deslocados que a guerra civil síria provocou enfrentam uma emenda à lei do recrutamento militar que pode vir a custar-lhes as casas e outras propriedades que deixaram para trás. A medida deverá dificultar o regresso a casa de cerca 12 milhões de sírios, entre refugiados e deslocados internos.

Com a economia colapsada, Bashar al-Assad tem procurado angariar receitas de várias formas. A nova cláusula da legislação decreta que quem não cumpriu o serviço militar antes dos 43 anos deverá pagar uma multa de quase sete mil euros. Quem não o fizer, corre o risco de perder as suas propriedades sem aviso e sem o direito de contestar.

A quantia está fora do alcance da maioria dos deslocados, muitos deles em zonas do país controladas por rebeldes, outros em campos de refugiados no Líbano, na Jordânia ou na Turquia. Mesmo antes de a lei ter sido emendada, bastantes sírios já não conseguiam pagar as multas para fugir ao recrutamento militar. Muitos deles fugiram, para não se alistarem nem terem de as pagar, refere Sara Kayyali, investigadora síria da Human Rights Watch

Esta medida torna ainda mais difícil o regresso dos deslocados à Síria. Kayyali estima que aproximadamente 12 milhões de sírios – quase metade da população antes de a guerra começar, em 2011 – não consigam voltar a casa.

Esta alteração é, no entanto, apenas uma de várias medidas semelhantes. Em 2018, o regime introduziu a célebre “Lei 10”, que permitiu a confiscação de propriedades e a demolição de casas dos dissidentes. Esta lei foi descrita para uma verdadeira limpeza étnica por activistas opositores e grupos de direitos humanos.

“Damasco está a ter dificuldades economicamente, e é incapaz de funcionar, excepto através de decisões jurídicas ilícitas e do abuso contínuo dos civis em áreas sob o seu controlo. Infelizmente, o meu instinto diz-me que vamos continuar a assistir a este tipo de práticas enquanto o Governo se esforça para obter riqueza”, considera a investigadora, citada pelo Guardian.

Devastado pela guerra, a Síria deixou em ruínas a capacidade financeira das famílias: especialmente nas regiões controladas pelos rebeldes e pelos curdos, onde há dificuldades em pôr comida na mesa. Segundo o Programa Alimentar Mundial, 9,3 milhões de sírios não têm acesso a comida de forma regular, valor que aumentou em 1,4 milhões até ao final do ano passado.

O Governo e a população enfrentam ainda uma moeda colapsada, uma inflação ascendente e uma pandemia para combater.

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