China discute reforço do controlo sobre as eleições em Hong Kong

Congresso Nacional do Povo prepara-se para dar poderes à Comissão Eleitoral de Hong Kong para eleger deputados fiéis ao regime de Pequim. O objectivo é garantir a eleição de “patriotas” e diluir a influência da oposição.

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A reunião acontece no ano do 100.º aniversário do Partido Comunista Chinês Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS

A China prepara-se para alterar o sistema eleitoral de Hong Kong no sentido de apertar ainda mais o seu controlo sobre a eleição dos deputados do parlamento do território semiautónomo, na sequência da vitória esmagadora dos candidatos da oposição nas eleições autárquicas de 2019.

As medidas vão ser discutidas ao pormenor – e muito provavelmente vão ser aprovadas – na reunião anual do Congresso Nacional do Povo (CNP), que arrancou esta sexta-feira em Pequim.

O CNP é, no papel, o parlamento onde se discutem e aprovam as leis do país, e que se reúne numa sessão especial anual, tradicionalmente no início de Março; na prática, é constituído por representantes fiéis ao Partido Comunista Chinês e nunca votou contra uma proposta de Pequim. 

Mais deputados

Segundo a imprensa chinesa, a principal alteração ao sistema eleitoral de Hong Kong deve passar pelo reforço das competências da Comissão Eleitoral do território semiautónomo.

Comissão Eleitoral de Hong Kong é um órgão com 1200 representantes  a maioria deles figuras leais a Pequim  cuja única função, até agora, é eleger o chefe do Executivo do território.

De acordo com a BBC, a reforma passa por conceder à Comissão Eleitoral o poder para eleger uma nova fatia de deputados do parlamento de Hong Kong.

O parlamento de Hong Kong (o Conselho Legislativo) é actualmente constituído por 70 membros, metade dos quais são eleitos directamente pelos eleitores, sendo a outra metade eleita por grupos de interesses económicos e profissionais próximos de Pequim.

Com a aprovação da proposta na reunião do CNP, o parlamento de Hong Kong deve ser alargado dos actuais 70 deputados, e a nova forma de eleição vai ficar ainda mais sob controlo do Governo central da China.

Eleição de “patriotas"

A proposta foi anunciada esta sexta-feira, no arranque da reunião anual do CNP, em Pequim, pelo vice-presidente do órgão, Wang Chen.

Segundo Wang, a proposta que vai ser debatida dá à Comissão Eleitoral de Hong Kong poder para eleger “um número relativamente grande” de deputados do parlamento do território, o que aumentaria a influência do campo patriota (a designação do Governo chinês para os candidatos pró-China em Hong Kong). 

O responsável disse também que a reforma do sistema eleitoral de Hong Kong tem como objectivo tapar os buracos” na actual legislação, que permitiram a eleição de vários opositores de Pequim e defensores da independência do território.

No último domingo, 47 dirigentes políticos e activistas de Hong Kong foram acusados de “conspiração para cometer subversão”, um dos crimes punidos pela polémica lei de segurança nacional que entrou em vigor na região administrativa especial chinesa em Julho do ano passado, e que também foi aprovada pelo CNP, na reunião de 2020.

Os acusados fazem parte de um grupo de mais de 50 pessoas que foram detidas no início de Janeiro, numa das maiores operações policiais dos últimos tempos no território semiautónomo, que teve como alvo figuras relevantes do movimento opositor ao Governo de Hong Kong e ao Partido Comunista Chinês.

Segundo as autoridades de Hong Kong, a acusação baseia-se, em grande medida, no papel dos dirigentes políticos e civis na organização das eleições primárias do movimento pró-democracia, em Julho de 2020, a que muitos deles concorreram.

Mais de 600 mil pessoas acorreram pacificamente às urnas para designarem candidatos às legislativas de Hong Kong, que estavam agendadas para Setembro de 2020. O acto foi declarado como ilegal pelo Governo do território e as eleições legislativas foram adiadas por um ano – para Setembro de 2021 –, com o argumento de que a pandemia de covid-19 punha em risco a segurança dos eleitores.

"Afastar vozes"

A decisão de Pequim de reforçar ainda mais um controlo já significativo na escolha de representantes políticos em Hong Kong deve-se, segundo analistas independentes, à vitória esmagadora de candidatos da oposição nas eleições autárquicas de 2019.

Num acto eleitoral em que a participação atingiu o recorde de 71%, os candidatos da oposição ao Governo de Pequim conquistaram 17 dos 18 distritos de Hong Kong – um sinal de apoio popular ao desejo de que o território mantenha ou reforce o seu estatuto de substancial autonomia em relação a Pequim.

“Em 2019, os pan-democratas tiveram um excelente resultado, o que alarmou o Partido Comunista Chinês porque mostrou que a sua retórica negativa não estava a funcionar”, disse à BBC Ian Chong, professor de Ciência Polícita na Universidade Nacional de Singapura.

“O que o partido quer mesmo fazer, é afastar as vozes que não gosta de ouvir.”

A reforma do sistema eleitoral em Hong Kong tem a aprovação praticamente garantida, num órgão que é visto como pouco mais do que um carimbo nas decisões da liderança do partido.

Xi salienta “sucessos"

Entre os outros temas em debate até à próxima quinta-feira, destacam-se a meta do crescimento económico acima dos 6% em 2021; o plano para a redução das emissões de carbono no período de 2030-2060; e a aposta no desenvolvimento de vacinas e na “prevenção do surgimento de novas doenças infecciosas”.

A reunião deste ano do CNP coincide com o 100.º aniversário do Partido Comunista Chinês, em Julho, e realiza-se um ano antes do fim do segundo mandato de Xi Jinping como secretário-geral (o líder de facto da China).

Em 2023, seria o fim do seu segundo e último mandato como Presidente da China, não fosse o país ter abolido, em 2018, o limite de mandatos presidenciais.

“Acho que ele vai querer salientar os seus sucessos, e isso vai ocupar grande parte da reunião do Congresso Nacional do Povo”, disse Ian Chong à BBC, referindo-se, em particular, à “absoluta abolição da pobreza” anunciada pelo Governo chinês na semana passada.

A reunião anual do CNP, durante a qual quase 3000 figuras de topo da política do país discutem e aprovam várias leis e objectivos, acontece em simultâneo com a reunião anual da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, um órgão separado e consultivo.

O grande momento anual da política chinesa – conhecido com as “duas sessões” – começou na quinta-feira e vai terminar na próxima quinta-feira, 11 de Março. Realizada tradicionalmente no início de Março, a cerimónia de 2020 teve lugar em Maio por causa da pandemia de covid-19.

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