Mobilidade autónoma em Lisboa

2021 é ano de eleições autárquicas em Lisboa, altura mais do que propícia para questionar a estratégia seguida em termos de políticas públicas que condicionam a mobilidade, aproveitando para apontar novos caminhos.

Em 2015, o International Transport Forum (ITF), que é um organismo intergovernamental da OCDE que congrega 54 países, funcionando como think tank para a política de transportes, publicou uma investigação sobre a introdução de veículos autónomos partilhados, onde Lisboa foi o caso de estudo.

Nessa publicação, foi feita uma simulação para a cidade de Lisboa assumindo um cenário teórico onde todos os modos privados de mobilidade seriam substituídos ou por uma solução de táxis autónomos partilhados, com base num serviço on-demand através de apps, ou então por miniautocarros autónomos com rotas dinâmicas.

Os resultados do modelo simulado foram surpreendentes: somente 10% dos veículos privados atuais seriam realmente precisos, todo o parqueamento na rua desapareceria e 80% dos parques de estacionamento deixariam de ser precisos. Outros ganhos de grande relevância seriam a redução de 40% das emissões de carbono e uma melhoria de 30% na fluidez de tráfego. Naturalmente, tais ganhos resultariam da livre decisão das pessoas, que se decidiriam racionalmente por estas novas formas de transporte muito motivadas pela redução radical dos custos de utilização, obtida por via dos serviços serem partilhados e não precisarem de condutor.

O cenário é nesta altura futurista, uma vez que a introdução de veículos autónomos em meio urbano depende de um ecossistema que está longe de existir. Será no mínimo necessário um quadro regulatório que o permita, tecnologia ao nível dos veículos e da infra-estrutura de trânsito que possibilite a troca de dados em tempo real, a existência de veículos em escala já com hardware e software que consigam apreender o meio onde estão e tomar decisões lógicas, promotores que queiram investir e clientes propensos a entrar nesta aventura, só para falar em algumas condições essenciais.

De qualquer forma, este estudo foi importante pois apontou um caminho, revelando que não estamos condenados a viver numa cidade poluída, cercados por automóveis e reféns de filas intermináveis no vai e vem entre casa e trabalho.

Ora 2021 é ano de eleições autárquicas em Lisboa, altura mais do que propícia para questionar a estratégia seguida em termos de políticas públicas que condicionam a mobilidade, aproveitando para apontar novos caminhos.

E a questão começa logo pela definição do que é Lisboa, se é a cidade rodeada por outras vilas e cidades dormitório, ou se pelo contrário é o conjunto de Lisboa, Loures, Amadora, Almada, etc.. De facto, é impossível pensar em Lisboa, uma cidade com pouco mais de meio milhão de habitantes, como uma unidade estanque, imune à influência de 2 milhões de outras pessoas que entram e saem na cidade. Ou seja, quem quiser pensar em mobilidade terá de pensar em toda a área metropolitana, sob pena de ficar pela rama do problema.

Depois, é importante ter uma ideia de onde se quer chegar e um plano temporal para lá se chegar. É apostar já na mobilidade autónoma, conforme simulado pelo ITF? É continuar a investir massivamente em transportes públicos que permitam que as pessoas entrem e saiam da cidade em detrimento do automóvel privado? É fazer mais obras públicas (pontes, viadutos, túneis) para ajudar a escoar o trânsito? Um mix entre tudo isto?

Dada a situação presente, será de admitir que não estamos a ir pelo melhor dos caminhos, em termos económicos e ambientais não podemos continuar como estamos, temos de mudar a forma como nos deslocamos.

Concentrando-nos na mobilidade autónoma, e admitindo que nesta altura ainda é um cenário futurista, sendo difícil de implementar a breve trecho (e nunca seria possível trocar de uma só vez 90% dos veículos atuais por carros autónomos), fará sentido criar um plano faseado que ajude a lançar as bases para aos poucos serem introduzidas formas autónomas de mobilidade.

Assim, medidas como o lançamento de uma autoridade intermunicipal para a mobilidade autónoma e a criação de todo um quadro regulatório que permita a sua existência são premissas fundamentais.

Depois, a definição de áreas adequadas para testes e o estabelecimento de parcerias com empresas que queiram começar a fazer testes em Lisboa, são também condições essenciais a desenvolver. A mobilidade autónoma baseia-se na inteligência artificial dos veículos, e essa capacidade é criada com a experiência em ambiente de teste e em ambiente real, pelo que quanto mais cedo se começarem a obter dados em Lisboa, mais curto será o tempo de implementação de uma solução de mobilidade autónoma local.

Mas o desenvolvimento de parcerias não deverá ser só com as empresas promotoras, para além do próprio poder político local e de promotores que queiram vir para Lisboa, é preciso envolver universidades, forças de segurança, seguradoras, telecoms, sociedades de advogados e fornecedores de soluções de carregamento, só para citar alguns intervenientes óbvios de um ecossistema que é preciso primeiro edificar.

Para além disso, mais no geral, a aposta em tecnologias inteligentes de gestão de tráfego (exemplo: semáforos a funcionar em função dos fluxos de tráfego de cada momento), a disponibilização de Internet universal e gratuita para os veículos poderem aceder automaticamente às plataformas de informação de tráfego e a implementação de carreiras de autocarros com capacidade de mudar de rota em função da procura, tudo isso, podem ser já medidas a tomar na direção da introdução de conceitos inerentes à mobilidade autónoma.

De notar que os veículos autónomos partilhados se baseiam muito nos conceitos da economia partilhada, hoje tão divulgada por exemplo através da Airbnb e da Uber, associada a plataformas digitais on-demand. Desta forma, o hábito de por via de uma app se resolver o desafio de deslocação entre dois pontos usando um meio de transporte partilhado já está a ser felizmente interiorizado em especial pelos mais novos, e a aderência das pessoas à mobilidade autónoma é um dos principais desafios a ultrapassar.

Lisboa tem aqui uma oportunidade única para mudar para melhor, introduzindo aos poucos e com as pessoas soluções que se vão traduzir em benefícios económicos e sociais de relevância indiscutível. Se assim o decidirmos, a tecnologia de mobilidade autónoma permitirá termos no futuro uma cidade menos poluída, gastarmos muito menos recursos nas deslocações e termos de volta as ruas para nelas podermos conviver, e a distância para esse futuro depende das nossas decisões presentes, que devem ser amplamente debatidas no âmbito das próximas eleições autárquicas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários