Tribunal dá pistas para resolver problema do IVA das consultas de nutrição nos ginásios

Tribunal de Justiça da UE considera que o acompanhamento nutricional nos ginásios não tem uma finalidade terapêutica e, por isso, está sujeito a IVA.

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Tanto o serviço do ginásio como o aconselhamento de nutricionismo estão sujeitos a IVA, diz o Tribunal de Justiça da União Europeia Miguel Manso

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tomou uma decisão nesta quinta-feira que poderá ajudar a resolver alguns dos litígios que têm surgido nos últimos anos entre o fisco português e alguns ginásios sobre a aplicação das regras do IVA quando os clientes dos ginásios pagam mensalidades que incluem não apenas os serviços de fitness, mas também consultas de nutricionismo.

À luz da directiva do IVA, o tribunal entende que se o acompanhamento nutricional não se destina ao tratamento de uma doença, não pode ser considerado como terapêutico e, por isso, a prestação desse serviço está sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado.

Alguns ginásios têm aplicado a isenção de IVA à prestação do acompanhamento nutricional e, com a interpretação contrária dada pelo tribunal europeu, o fisco ganha um argumento para usar em futuras inspecções ou em processos em tribunal.

Em Portugal está a correr no Centro de Arbitragem Administrativa (Caad) um processo que opõe a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e uma empresa dona de um ginásio em Espinho (a Frenetikexito). E foi no âmbito desse caso que o TJUE foi chamado a pronunciar-se sobre o assunto.

Como os tribunais nacionais podem fazer pedidos ao tribunal europeu para que os juízes do TJUE emitam uma “decisão prejudicial”, isto é, para que dêem a sua interpretação do direito europeu relacionada com o assunto em causa, o tribunal arbitral português pediu que os juízes avaliassem uma questão concreta.

Embora a sua decisão não resolva o litígio concreto, o que dizem é relevante e tem de ser tido em conta tanto pelos árbitros deste processo como pelos outros órgãos jurisdicionais que se confrontarem com um problema idêntico.

Facturação separada

Para entender o acórdão é preciso conhecer alguns pormenores do processo da empresa de Espinho.

O caso remonta à actividade da sociedade em 2014 e 2015. O fisco realizou uma inspecção ao ginásio e verificou que a empresa, como outras no sector, estava a isentar de IVA as prestações do acompanhamento nutricional feito um dia por semana por uma nutricionista certificada que a Frenetikexito contratara.

Ao emitir as facturas aos clientes, a empresa discriminava os valores referentes à actividade desportiva (com IVA a 23%) e ao serviço de acompanhamento nutricional, sendo que, no caso deste último, aplicava a isenção prevista no código do IVA para as prestações médicas.

No entanto, como refere o acórdão do TJUE, o fisco “constatou que, em relação aos exercícios fiscais relativos aos anos de 2014 e 2015”, os clientes tinham pagado “o serviço de acompanhamento nutricional ainda que dele não tivessem usufruído”. E daí concluiu que essa parte do serviço “revestia um carácter acessório em relação” à prestação do serviço desportivo.

Quando há uma prestação que é considerada acessória à principal, o tratamento fiscal dado a essa secundária deve ser idêntico ao da principal (no fundo, as duas são vistas como uma prestação única) e, assim sendo, a administração fiscal considerou que se aplicava IVA a todo o conjunto.

O tribunal português pedira ao TJUE que avaliasse se estavam em causa prestações independentes ou uma prestação única. E, ao contrário do que o fisco decidiu neste caso, o Tribunal de Justiça entende que a directiva do IVA deve ser interpretada no sentido de que “um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas”, incluindo nos planos de fitness e nutrição, “constitui uma prestação de serviços distinta e independente”.

Mas, simultaneamente, ao contrário do que a empresa entendera, também considera que a directiva do IVA deve ser interpretada no sentido de que o serviço de nutrição no ginásio “não é susceptível de ser abrangida pela isenção” do imposto.

Agora caberá ao tribunal arbitral verificar o que se passou neste caso concreto e aplicar estes princípios.

O facto de o TJUE entender que a isenção não se aplica às consultas de nutrição nos ginásios poderá ajudar o fisco nas inspecções que realizar junto das empresas.

Se, por um lado, diz o Tribunal de Justiça, “é pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade”, por outro, não é por apresentar uma finalidade sanitária – como a actividade desportiva — que tem “necessariamente” uma finalidade terapêutica.

E “na falta de indicação de que [o acompanhamento] é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica”, uma consulta nos ginásios não cumpre “o critério da actividade de interesse geral comum a todas as isenções” — por isso, “está, em princípio, sujeito a IVA”.

Questionado pelo PÚBLICO sobre o acórdão desta quinta-feira, o Ministério das Finanças afirma que veio confirmar que “o mero acesso a consultas de nutricionismo, no âmbito da frequência de um ginásio ou de um estabelecimento desportivo congénere prossegue essencialmente finalidades ligadas ao bem-estar físico, à estética ou ao bom desempenho desportivo” e, “como já decorria da jurisprudência anterior do TJUE, essas finalidades estão à margem dos objectivos puramente terapêuticos e dirigidos a situações patológicas concretas, que as isenções do IVA concedidas a actividades médicas e paramédicas exclusivamente prosseguem”.

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