Graça Freitas: “Se olharmos para trás, muitas coisas poderiam ter sido feitas de maneira diferente”

Graça Freitas defende um regresso faseado ao ensino presencial, começando pelos alunos mais novos. Mas, até lá, ainda é necessário consolidar os indicadores que permitirão pensar neste desconfinamento, alerta.

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Graça Freitas, directora-geral da Saúde Daniel Rocha/Arquivo

A directora-geral da Saúde, Graça Freitas, admitiu esta quarta-feira que, se pudesse voltar atrás no tempo, alteraria algumas das medidas que foram tomadas no combate à pandemia de covid-19. A declaração foi feita em entrevista no programa Grande Entrevista, na RTP3, quando questionada se as autoridades de saúde fizeram tudo o que estava ao seu alcance para travar o aumento de novos casos de infecção. Apesar de referir estas possíveis alterações, Graça Freitas garante que as escolhas eram “as mais acertadas” no momento, face à informação e dados disponíveis. 

“Creio que foram sendo tomadas as medidas que, naquela data, com o conhecimento que tínhamos e com o que conseguíamos projectar no futuro, se consideraram as melhores. É óbvio que se olharmos para trás, para os 12 meses, muitas coisas poderiam ter sido feitas de maneira diferente, sobretudo antecipando algumas consequências da epidemia. Mas, na altura em que foram tomadas, a convicção era de que eram as decisões mais acertadas naquele momento”, afirmou a directora-geral da Saúde.

“Nunca deixei de ver Portugal como um país no resto do mundo. As soluções que foram sendo adoptadas em diferentes países, também não houve nenhuma milagrosa, mesmo aquelas que pareciam ser ‘a solução’, não se revelaram como tal”.

A directora-geral da Saúde foi ainda questionada sobre o aumento acentuado do número de casos e mortes em Janeiro. Revelando que em Dezembro, mês em que estavam a ser preparadas as medidas para o início de 2021, as projecções não mostravam que o vírus iria assumir tamanha dimensão, Graça Freitas fez referência à variante britânica do vírus que já circulava em Portugal. Esta variante aumenta a velocidade na propagação do vírus, com a responsável a garantir que as autoridades de saúde tentaram detectar a chegada desta variante ao país precocemente.

“Fizemos uma procura activa da variante. Quando vinham pessoas do Reino Unido, havia uma atenção especial nos inquéritos epidemiológicos. O certo é que não a encontramos precocemente. Não a tendo encontrado precocemente, podíamos intuir que ela chegaria ao nosso país, como chegou aos outros”, explicou.

Regresso faseado às aulas, recomenda Graça Freitas

O jornalista Vítor Gonçalves perguntou directamente à responsável da Direcção-Geral da Saúde se o pior já tinha passado, especialmente com a chegada da vacina. Graça Freitas rejeita esta visão, relembrando que o vírus ainda pode causar bastantes problemas: “[O risco de uma nova vaga] Ainda está [em cima da mesa]. E quem disser que não está, não vê bem a dinâmica destes vírus. Mesmo com a vacina. Toda a gente sabe que este tipo de vírus sofre mutações e essas mutações dão origem a variantes. Agora, como essas variantes se vão propagar é a grande incógnita.”

Relembrando as incógnitas que a vacinação ainda representa – especialmente a duração da imunidade e eficácia contra variantes – a directora-geral da Saúde relembra que os cuidados têm de continuar. Um destes cuidados é o uso da máscara: em entrevista ao PÚBLICO em Fevereiro, Graça Freitas revelou que estava a ser estudada uma recomendação para o uso de duas máscaras. A responsável da DGS confirma que a estratégia no uso deste equipamento de protecção individual não sofreu qualquer alteração. “Consultada uma série de peritos, a nossa estratégia de utilização das máscaras mantém-se, independentemente da vontade que alguém tenha de usar duas. À data, com as variantes que temos e o que sabemos dela, os nossos consultores recomendam que se mantenha a estratégia”, resumiu.

Sobre o processo de desconfinamento e reabertura das escolas, Graça Freitas explicou que ainda é preciso consolidar alguns indicadores, considerando precoce falar já do regresso das crianças e jovens às aulas presenciais. “Temos de aguardar e consolidar todos estes valores e esperar que pelo menos alguns deles melhorem. Nomeadamente o esforço que ainda existe no Sistema Nacional de Saúde, em cuidados intensivos, mas não só. Mesmo a incidência, gostaríamos que estivesse mais baixa do que o que está, para termos maior conforto. Acho que é preferível ser cauteloso. Os países estão a fazê-lo com bastante cautela, alguns estão a avançar e a regredir”, reiterou.

Quando chegar o momento do regresso às aulas, a directora-geral da Saúde preferia que fosse dada prioridade aos alunos mais novos, defendendo novamente uma política faseada: “Poderíamos começar pelos graus de ensino com alunos mais novos, sabemos que as crianças mais novas infectam-se e transmitem [o vírus] menos. À medida que vão crescendo, vão aproximando o seu padrão dos adultos. Não sou eu que tomo essas decisões, são decisões de natureza política e o Governo tem muitas variáveis a ponderar. O que acontece em outros países é a abertura faseada.”

Festivais de Verão? “É muito cedo”

Questionada sobre o regresso dos eventos culturais, com ênfase para os festivais de Verão, Graça Freitas relembra que a Inglaterra está a equacionar realizar eventos com público, garantindo que Portugal estará atento às conclusões que resultarem destes testes. Contudo, deixa claro que ainda é “muito cedo” para dizer taxativamente se estes eventos se irão realizar: “Vamos ter ali [em Inglaterra] um laboratório, bem como em outros países. Conseguiremos ver como foi o impacto disso, espectáculos com muita gente”, afirma.

Quanto ao futebol, a directora-geral da Saúde elogiou o cumprimento de regras nos testes-piloto, não colocando um prazo para o regresso dos adeptos às bancadas.

Questionada sobre casos de vacinação indevida, Graça Freitas preferiu enaltecer as virtudes do plano de vacinação, mas não escondeu alguma mágoa com o impacto destas falhas: “A vacinação tem tanta potencialidade e tem tido coisas que têm corrido tão bem, que tenho muita pena que episódios iniciais menos bons possam não ter feito ver todas as potencialidades que a vacinação tem.”

Graça Freitas foi entrevistada esta quarta-feira no programa Grande Entrevista, na RTP3. A directora-geral da Saúde tem, desde o início do ano, estado mais ausente do plano público, depois de ter estado presente em inúmeras conferências de imprensa diárias promovidas pela DGS. Esta alteração foi justificada como uma mudança na estratégia de comunicação da entidade sobre a pandemia de covid-19. 

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