Ferro quer saber se proposta do Chega que retira nacionalidade a alguns condenados naturalizados é constitucional

Presidente pede novamente ajuda à Comissão de Assuntos Constitucionais e André Ventura acusa-o de querer impedir a discussão de propostas suas: “É lamentável e politicamente inadequado.”

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André Ventura (Chega) Nuno Ferreira Santos

Já vão em mais de meia dúzia: o presidente da Assembleia da República pediu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias mais um parecer sobre a constitucionalidade de uma proposta de André Ventura. Desta vez sobre as alterações que propõe à Lei da Nacionalidade, para que seja retirada a nacionalidade portuguesa a quem a tenha obtido por naturalização e, entretanto, seja condenado a pena efectiva superior a cinco anos de prisão ou ofenda de forma “ostensiva e notória” e “reiterada” a história nacional e os seus símbolos.

No despacho que enviou à comissão, Eduardo Ferro Rodrigues cita a nota de admissibilidade elaborada pelos serviços da Assembleia que identificaram “alguns problemas de conformidade constitucional” no texto do deputado único do Chega. A comissão decidiu nesta quarta-feira que quem fará o parecer pedido pelo presidente será o bloquista José Manuel Pureza - partido que tem defendido que não cabe aos deputados aferirem da constitucionalidade das propostas dos partidos.

Entretanto, André Ventura já se queixou que Ferro Rodrigues, apesar de ter “toda a legitimidade para ter dúvidas e para as suscitar”, o faz com o objectivo de “encontrar um expediente formal e impedir" que as propostas do Chega, como a da castração química, cheguem à discussão em plenário. “É lamentável e politicamente inadequado”, critica o deputado numa nota enviada ao PÚBLICO.

“A primeira comissão não é uma antecâmara do Tribunal Constitucional nem tem competência para tal, tendo sido já vários os casos no passado de diplomas com dúvidas de constitucionalidade (por violação da norma travão, por exemplo) que chegaram à discussão de plenário”, afirma André Ventura, que promete recorrer para o plenário da decisão de Ferro Rodrigues, ainda que “pouco confiante no discernimento político da Assembleia para reverter esta situação”.

No projecto de lei que entregou há duas semanas, Ventura propõe a perda da nacionalidade para os cidadãos que se naturalizaram portugueses mantendo outra nacionalidade que tenham sido definitivamente condenados a penas efectivas superiores a cinco anos ou condenados por crime de ligações com o estrangeiro, ultraje de símbolos nacionais e regionais, coacção contra órgãos constitucionais ou perturbação do funcionamento de órgão constitucional. Esta penalização vai contra o princípio da Constituição que estipula que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.

O deputado também pretende que percam a nacionalidade portuguesa os naturalizados que “ofendam de forma ostensiva e notória, com objectivo de incentivar ao ódio ou humilhação da nação, a história nacional e os seus símbolos. E os serviços da Assembleia salientam que a discriminação entre cidadãos de nacionalidade originária e de nacionalidade adquirida por naturalização viola o princípio da igualdade previsto na Constituição — e essa distinção, no texto fundamental só existe para o efeito: a elegibilidade para Presidente da República.

Outra proposta de André Ventura é acrescentar aos fundamentos para a recusa de concessão da nacionalidade portuguesa por pedido de naturalização o facto de essa pessoa ter uma “prática reiterada de comportamentos, condutas ou declarações ofensivas da dignidade da nação e dos seus símbolos políticos, históricos”. Mas tal proposta irá contra o direito fundamental à liberdade de expressão consagrado na Constituição, apontam os serviços.

Eduardo Ferro Rodrigues pretende que a primeira comissão se pronuncie sobre a constitucionalidade da iniciativa para depois decidir se a aceita para discussão no Parlamento ou não.

Este tipo de pedidos do presidente tem motivado algumas discussões no seio daquela comissão, já que há partidos como o PSD, BE, CDS, e IL que consideram que não devem ser os deputados a determinar se um diploma é ou não inconstitucional e que cabe a Ferro Rodrigues a palavra preponderante sobre se admite ou não uma proposta.

Neste ano e meio, diversas propostas de André Ventura foram ficando pelo caminho depois do crivo de Ferro Rodrigues e da Comissão de Assuntos Constitucionais. São os casos da castração química de pedófilos que esteve agendada para plenário mas o presidente recusou a discussão , da limitação do cargo de primeiro-ministro a pessoas com nacionalidade portuguesa de origem, o referendo sobre a redução do número de deputados, ou o texto máximo de 12 ministérios no Governo. A que se somam as dúvidas suscitadas sobre a proposta de revisão constitucional do Chega e sobre a proibição vitalícia de os políticos e altos cargos públicos exercerem cargos ou funções com as quais tenham negociado.

Notícia actualizada às 14h com reacção de André Ventura ao pedido de Ferro Rodrigues.

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