PRR: apelo ao IHRU e ao Governo

Só com uma correta monitorização e avaliação dos programas de financiamento é possível melhorar as políticas e o próprio funcionamento da democracia, de modo a informar processos de tomada de decisão mais justos e eficazes.

No atual momento de discussão do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em que se reflete sobre os objetivos, desafios estratégicos, instrumentos e modelo de governação e implementação de um envelope financeiro que poderá atingir os 50 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido e 14,2 milhões de euros em empréstimos, é urgente enfatizar a importância da avaliação para melhorar e reforçar a capacidade de aprendizagem. Isto requer, por parte da administração pública, a produção, sistematização e disponibilização de informação on line e em acesso livre. E, por parte dos investigadores e académicos, a recolha, análise e cointerpretação dessa informação.

Ora tendo estado envolvida nos últimos anos em estudos de avaliação de políticas urbanas e de habitação em vários países, não posso deixar de notar, com preocupação, o défice de produção e de disponibilização de informação quantitativa e qualitativa de qualidade em Portugal por parte dos serviços da administração pública. Um facto confirmado durante o último ano no âmbito do projeto de investigação SustainLis,  financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/GESURB/28853/2017), que visa analisar os efeitos das políticas de habitação e de requalificação urbana em cidadãos com elevados níveis de vulnerabilidade.

No âmbito deste projeto solicitámos informação ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), a entidade pública, em Portugal, com responsabilidade por desenvolver, atualizar e gerir sistemas de informação, bancos de dados e arquivos documentais nos domínios da habitação, do arrendamento habitacional e da reabilitação urbana. Solicitámos a disponibilização de informação documental e estatística, bem como o agendamento de entrevistas que nos possibilitassem entender a taxa de execução e de desempenho de programas de apoio à reabilitação de edifícios e de apoio ao arrendamento. Solicitámos informação objetiva e clara, tal como o montante de financiamento executado por município, o valor médio do apoio atribuído, o número de beneficiários, o tempo que decorreu entre o início das candidaturas e o momento da decisão, etc. Com as entrevistas, esperávamos conhecer a visão dos gestores e dos técnicos que lidaram diretamente com o público (inquilinos, senhorios, proprietários ou outros agentes com interesses no mercado imobiliário) sobre os fatores críticos explicativos do fraco nível de resultados obtidos por estes programas e os seus efeitos no funcionamento dos mercados de habitação.

Não obstante a prestação dos devidos esclarecimentos, por email e telefonicamente, sobre a natureza, objetivo e âmbito das entrevistas a realizar por via digital, e do envio do próprio guião de entrevista, os responsáveis pelo IHRU alegaram falta de tempo e de recursos humanos para responder a estas solicitações. Também não foram disponibilizados os dados estatísticos solicitados nem os relatórios de monitorização ou avaliação dos principais programas de financiamento à reabilitação e ao arrendamento.

Durante esse mesmo período, realizámos um total de 10 entrevistas com decisores e técnicos de várias estruturas orgânicas da CML que estiveram envolvidos na implementação de políticas de reabilitação. Entrevistámos ainda juristas das Associações de Inquilinos de Lisboa e do Norte. A Associação Lisbonense de Proprietários não mostrou disponibilidade para participar. Recolhemos ainda dados no terreno sobre as condições de vida e as trajetórias habitacionais de grupos vulneráveis residentes no centro histórico de Lisboa. Nos meses de julho e agosto de 2020, foram realizadas 460 entrevistas com base num inquérito presencial a residentes na freguesia de Santa Maria Maior pertencentes aos três grupos vulneráveis estudados (jovens, imigrantes e idosos). Esta informação ajudará na construção de cenários prospetivos e apoiará a tomada de decisão nestes domínios de intervenção.

Gostaria de finalizar dizendo que se cabe aos investigadores a produção e transferência de conhecimento para o tecido social do país, com vista à melhoria da formulação e execução das políticas e do funcionamento das instituições, cabe, por certo, à administração pública a produção e partilha de informação de qualidade que permita conhecer o desempenho dos programas no contexto de múltiplos atores e múltiplos fatores que operam em ambiente dinâmico.

Só com uma correta monitorização e avaliação dos programas de financiamento é possível melhorar as políticas e o próprio funcionamento da democracia, de modo a informar processos de tomada de decisão mais justos e eficazes, e dar aos cidadãos a possibilidade de conhecer, julgar e refletir sobre os atos de governação e dos governos.

O financiamento no âmbito do PRR deve responder não apenas aos desafios das carências habitacionais, através do financiamento de modelos centrados na construção e reabilitação de habitação social e acessível que respondam, simultaneamente, aos desafios da resiliência e da eficiência energética, mas também aos desafios do conhecimento científico. Para tal, o IHRU deve assumir um papel mais ativo na mobilização e no estabelecimento de parcerias com os municípios e as universidades, que poderão contribuir para o desenvolvimento de estudos de monitorização e avaliação que apoiem uma melhor tomada de decisão, prevenindo políticas com efeitos perniciosos no que se refere ao funcionamento dos mercados, ao bem-estar dos cidadãos e à vitalidade dos territórios.

Sugerir correcção
Comentar