A propósito dos tempos de pandemia: a subordinação da Educação à Economia

A banalização e superficialidade com que são exploradas e até instrumentalizadas as questões da educação, na praça pública, é preocupante e, em especial, os impactes que daí advêm.

“Vagarosa, mas seguramente, a educação tem sido reduzida a um subsector da economia […]. A economia, e não a pedagogia, constitui a partir de agora a principal base de legitimação das decisões de política educativa, razão pela qual os valores do mercado competitivo e do privado como política pública passaram a imperar.”
McLaren (1999, p. 90)

Ultimamente, temos vindo a assistir a várias intervenções, em especial através dos órgãos de comunicação social, sobre a problemática da educação em tempos de pandemia, nomeadamente sobre medidas administrativo-organizativas e muito circunscritas apenas à questão do “fecho ou abertura das escolas”. Muitas das vozes que se fazem ouvir não têm legitimidade científica para, publicamente, discutirem, de forma aprofundada, uma temática que se reveste de grande complexidade. Curiosamente, nos diferentes espaços de discussão pública, a voz dos investigadores da área das ciências de educação e, concretamente, das políticas educativas e administração educacional não tem aparecido de forma visível.

Neste sentido, corremos o risco de contribuir para a construção de uma opinião pública fundamentada no senso comum ou apenas com uma visão parcial e muito redutora tendo em conta complexidade do fenómeno educacional. A lente é frequentemente focada a partir da esfera económica e, consequentemente, desfocada das questões intrínsecas ao desenvolvimento humano e das sociedades. A banalização e superficialidade com que são exploradas e até instrumentalizadas as questões da educação, na praça pública, é preocupante e, em especial, os impactes que daí advêm.

Não ignoramos a forte politização que a temática encerra e assistimos a afirmações e prescrições a partir de grandes generalizações e simplificações, com base em grandes consensos e em diagnósticos pretensamente partilhados, com foco na instrumentalização da educação ao serviço da superação dos problemas económicos decorrentes dos efeitos da pandemia. A discussão em torno dos constrangimentos e desafios que se colocam, hoje, à educação (no que diz respeito aos estudantes e suas famílias, profissionais de educação, organizações educativas…) raramente são explorados em debates que permitam visões distintas, com diferentes atores e, em especial, fundamentadas na investigação.

As grandes conclusões sobre os melhores caminhos a seguir e as recomendações construídas para fundamentar as decisões do poder central (Ministério da Educação) emergem, particularmente, de “opinion makers”, com finalidades pouco claras e transparentes, que a partir de espaços de discussão promovidos por alguns órgãos de comunicação social ou em outros espaços e equipas, muitas vezes, não suficientemente identificados, constroem “verdades” que se vão naturalizando, junto da opinião pública. Esquecemos que o foco do debate são os pilares de fundo: a conceção da missão do sistema educativo e de formação, a sua organização, a natureza da própria pedagogia, as questões de inclusão, de igualdade e justiça educacional, a problematização do conhecimento, bem como os processos de ensino e aprendizagem à luz dos resultados da investigação nas áreas da educação e da psicologia.

Os tempos de pandemia poderiam ser uma oportunidade para perspetivar a “libertação” da educação, refém da esfera económica e dos seus ditames expressos na valorização da produtividade mensurável, da meritocracia e da competitividade de cariz mercantilista. É absolutamente central favorecer o desenvolvimento de processos de reconceptualização da escola para que esta possa responder, de forma mais adequada, aos problemas e desafios societais contemporâneos.

Apercebemo-nos do fim dos debates profundos, no campo da política educativa, com triunfo das abordagens lineares e simplistas que, hegemonicamente, silenciam todas as outras. Em matéria de discussão educacional, temos vindo a assistir a discursos de natureza tecnocrática, de forma pretensamente neutra e racional, que analisam, normalmente, os problemas de forma hermética. Com uma visão utilitarista da educação e do conhecimento, descura-se que a tomada de decisão, no campo educativo, terá que emergir a partir da análise de múltiplos fatores que compõem a complexa esfera educacional e tendo como princípios de reflexão as questões pedagógicas e sociais, numa dimensão humanista e não, meramente, dependentes e/ou subjugadas a princípios economicistas (o designado economismo educacional) que conduzem a uma crescente colonização das políticas educacionais aos desígnios da economia.

Este é o perigo de os palcos/fóruns de discussão pública sobre política educacional continuarem reservados a atores como economistas, advogados e outros comentadores públicos que opinam sobre o curso que a educação deverá tomar, sem considerar aspetos basilares para uma problematização profunda, necessariamente alicerçada na investigação científica na área respetiva.

McLaren, P. (1999) “Traumas do Capital: Pedagogia, Política e Práxis no Mercado Globa"», in Luiz Heron da Silva (org.) “A Escola Cidadã no Contexto da Globalização”, Petrópolis: Vozes, 81-98

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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