Um paroquialismo insatisfatório

O mundo mediático português vive manifestamente longe do que de melhor se faz por essa Europa fora. E não parece querer arredar pé…

Durante longos, longos anos, os portugueses viveram demasiado fora da atualidade no mundo e até mesmo na Europa. Por razões geográficas, políticas e tecnológicas. Porque encalhados entre vizinhos de quem foram historicamente levados a desconfiar e um mar largo que poucas notícias dá, Portugal não estando naturalmente confrontado com a atualidade de países limítrofes, como o estão a Bélgica ou a Suíça, por exemplo. Mas também porque vários regimes ditatoriais sucessivos, e nomeadamente o que perdurou durante 48 anos, a polícia política e a censura, quiseram absolutamente mantê-los afastados da atualidade para além-fronteiras. Enquanto, em termos de telecomunicações, o potencial de contacto com o exterior era bastante limitado e, quando concretizado, era-o em condições técnicas insatisfatórias.

Com o regresso da democracia, a situação geográfica de Portugal não mudou, claro, mas houve mentalmente uma abertura para a Europa, acentuada com a adesão à União Europeia. O reencontro com a liberdade fez que os portugueses pudessem facilmente passar a ter acesso a jornais estrangeiros. Mas foi sobretudo com as novas tecnologias das telecomunicações e a internet que puderam finalmente entrar em contacto com jornais, rádios e televisões do mundo inteiro e ver então o que os diferencia dos média portugueses. E as diferenças são enormes, embora boa parte dos jornalistas portugueses pareça não ter consciência disso…

Há, no entanto, uma regra de base nas redações dos média, sobretudo nos que procuram praticar uma informação de qualidade, qualquer que seja o seu posicionamento editorial: ver, logo pela manhã e ao longo do dia, o que os outros média propõem aos públicos deles. Que conteúdos oferecem nas diversas categorias (em política, economia, cultura, sociedade ou desporto; em internacional, estrangeiro, nacional ou regional)? E sob que formas jornalísticas os abordaram (notícia, perspetivação, análise, comentário, crónica ou editorial; reportagem, documentário, entrevista ou debate)?

Uma segunda regra é absolutamente obrigatória: como foi tratada a atualidade pela própria redação? Que aspetos da atualidade foram voluntaria ou involuntariamente ignorados? Que formas de abordagem foram bem, mal ou insuficientemente tratadas? Que erros factuais, de interpretação ou de análises foram cometidos? Que aspetos deverão ainda ser abordados na próxima edição para propor um melhor ou mais completo e rigoroso serviço ao público?

Ora, vistas do exterior, a impressão com que se fica é que nas redações dos média portugueses não se lê, ouve ou vê o que se faz lá fora, nomeadamente nos países imediatamente vizinhos em termos geográficos e culturais. E se acaso esses bons hábitos de base existem por parte de alguns profissionais e mais particularmente por parte das chefias das redações, então isso significa que consideram que não tem nada a aprender com os confrades europeus. Ou então que, de qualquer modo, é impossível inspirar-se neles, por falta de meios humanos, técnicos ou financeiros (o que é aliás uma realidade), ou porque as chefias estão perfeitamente satisfeitas com o que fazem…

Acontece, porém, que o clima de pandemia em que vivemos desde há um ano pôs particularmente em evidência a insuficiência da informação que nos tem sido proposta por jornais, rádios e televisões. É verdade que a qualidade da informação de que dispõem os cidadãos é, em princípio, função das dimensões demográfica, económica e cultural de um país. Pelo que é geralmente nos países em que estas dimensões atingem valores elevados que a qualidade da informação é melhor em termos de quantidade, de qualidade e de diversidade dos conteúdos. Mas países de pequena dimensão há por essa Europa fora, em que os cidadãos, embora tenham acesso aos média dos países limítrofes com que partilham a mesma língua, dispõem de jornais, rádios e televisões nacionais e regionais de incontestável qualidade em termos de informação e também, no caso da rádio e da televisão, em termos de programação.

Evocando apenas a televisão, que é o média largamente dominante em Portugal, é confrangedor comparar os jornais e demais magazines de informação com as emissões correspondentes de congéneres europeias. Pela duração inacreditavelmente exagerada dos telejornais portugueses, duas a quatro vezes mais longos do que os europeus. Pela formulação quantas vezes enviesada na construção das frases e na escolha das palavras na apresentação das “peças”, assim como na hierarquização dos assuntos e no alinhamento do jornal. Pela quase ausência de verdadeiras reportagens e de sequências documentais devidamente gravadas e montadas. Pela omnipresença de “diretos” que são na maior parte dos casos a antítese mesmo do jornalismo e, na realidade, meras canalizações de sons e de imagens praticamente fixas. Pela presença de intermináveis “comentadores” todo-o-terreno, em vez de cronistas e analistas realmente competentes e com o sentido de síntese. Pela presença constante de representantes (quase sempre os mesmos) de ordens, associações profissionais e sindicatos. Pelo seguidismo manifestamente exagerado de ministros, presidentes de partidos e da vida parlamentar, para não falar do omnipresente Presidente da República. Sem esquecer o obrigatório futebol nos títulos como em boa parte do jornal, com treinadores, presidentes, jogadores e campeonatos dos mais diversos países. Quando boa parte das vezes o internacional, o estrangeiro, a economia e a cultura estão pura e simplesmente ausentes, a falta de correspondentes, de enviados especiais e de especialistas das redações sendo por demais evidente.

A história política, económica, cultural e social dos séculos XIX e XX, para não ir mais longe, mostra-nos de maneira indesmentível que uma democracia moderna, dinâmica e pluralista supõe a existência de um panorama mediático-jornalístico pujante e diversificado em termos de conteúdos como de sensibilidades e de abordagens da atualidade. Mas supõe também que a informação seja tratada segundo os mais exigentes requisitos técnicos, deontológicos e éticos da profissão, sem que os jornalistas pretendam viver numa espécie de extraterritorialidade legal que lhes permita não tolerar qualquer crítica ao seu trabalho por parte dos seus concidadãos. Exerçam eles com exigência, rigor e talento o tão indispensável contrapoder na sociedade complexa em que vivemos, sem pretenderem transformar-se em cavaleiros andantes de um autoproclamado anti-poder, justiceiros e, de facto, cada vez mais aparentados a coveiros da jovem democracia e do frágil Estado de direito que são os nossos…

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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