Nova onda de repressão na Birmânia antes de reunião da ASEAN para “saída pacífica”

Quatro pessoas ficaram feridas numa cidade no noroeste do país quando a polícia disparou munições reais. Na maior cidade, Rangum, as forças de segurança lançaram granadas de atordoamento contra os manifestantes.

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Pelo menos 21 manifestantes foram mortos nos protestos LYNN BO BO

A polícia da Birmânia voltou a abrir fogo, esta terça-feira, para dispersar as multidões que continuam a protestar contra o golpe de Estado de 1 de Fevereiro, ao mesmo tempo que os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países vizinhos se preparavam para negociar com a junta militar uma saída pacífica para a crise.

As negociações, através de videoconferência, vão decorrer dois dias depois do dia mais sangrento desde que os militares derrubaram o Governo eleito de Aung San Suu Kyi, desencadeando a raiva e os protestos nas ruas de todo o país.

Centenas de manifestantes, muitos deles com capacetes e escudos improvisados, juntaram-se atrás de barricadas em diferentes partes da principal cidade da Birmânia, Rangum, para entoarem palavras de ordem contra o regime militar.

“Se formos reprimidos, haverá uma explosão. Se formos atingidos, responderemos”, gritavam os manifestantes, antes de a polícia disparar granadas de atordoamento para dispersar as multidões em quatro zonas da cidade.

Não há relatos de feridos em Rangum, mas quatro pessoas ficaram feridas na cidade de Kale, no noroeste, onde a polícia disparou munições reais para dispersar a multidão, depois de os manifestantes terem atirado objectos contra a polícia.

“Eles estavam a agir como se estivessem numa zona de guerra”, disse um professor que esteve no protesto. “Estou muito zangado e triste ao mesmo tempo.”

O professor, que não se quis identificar, disse que muitas outras pessoas foram feridas por balas de borracha.

Pelo menos 21 manifestantes e um polícia morreram desde o início dos protestos.

Apelo ao diálogo

O golpe interrompeu os passos lentos da Birmânia em direcção à democracia, após quase 50 anos de ditadura militar, e foi alvo das condenações e de sanções dos Estados Unidos e de outros países ocidentais.

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Singapura, Vivian Balakrishnan, disse que os seus colegas na Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) vão ser francos quando se reunirem por videoconferência, esta terça-feira, e dirão a um representante da junta militar da Birmânia que estão chocados com a violência.

Numa entrevista na televisão, na noite de segunda-feira, Balakrishnan disse que a ASEAN vai encorajar o diálogo entre Suu Kyi e os generais.

“Eles precisam de conversar e nós temos de os ajudar a encontrarem-se”, disse o governante.

Os militares justificaram o golpe dizendo que as suas queixas de fraude nas eleições de Novembro – ganhas de forma esmagadora pelo partido de Suu Kyi – foram ignoradas. A comissão eleitoral disse que a votação foi justa.

O líder da junta, o general Min Aung Hlaing, disse que tanto os líderes do protesto como os funcionários públicos que se recusem a trabalhar vão ser punidos.

Min Aung Hlaing prometeu realizar novas eleições e entregar o poder ao partido vencedor, mas não estabeleceu nenhum prazo.

Militares “são terroristas"

Os esforços da ASEAN para dialogar com os militares da Birmânia têm sido criticados por defensores da democracia. Um grupo de deputados birmaneses, afastados no golpe de Estado, declarou a junta um grupo “terrorista” e disse que o envolvimento da ASEAN legitima os militares.

O enviado do grupo de deputados às Nações Unidas, Sa Sa, disse que a ASEAN não deveria lidar com “um regime ilegítimo comandado por militares”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros das Filipinas, Teodoro Locsin, disse no Twitter que a ASEAN seria firme com a Birmânia e salientou que a política do bloco de não-interferência nos assuntos internos dos vários membros "não significa uma aprovação geral ou um consentimento tácito para que algo de errado seja feito”.

Suu Kyi, de 75 anos, compareceu numa audiência judicial por videoconferência, na segunda-feira, e parecia estar bem de saúde, segundo um dos seus advogados. Duas outras acusações foram acrescentadas às que já tinham sido movidas contra ela depois do golpe, disse o advogado.

Para além das declarações do advogado, a Nobel da Paz não é vista em público desde o golpe militar.

Jornalistas detidos

De acordo com os activistas, centenas de pessoas foram detidas desde o início dos protestos, entre elas seis jornalistas, um dos quais trabalha para a agência Associated Press. 

Tin Zar Oo, uma advogada do jornalista da AP, disse que o repórter foi acusado por publicar material que poderia levar um soldado “a amotinar-se ou a negligenciar o serviço”.

Os Estados Unidos avisaram os militares da Birmânia que vão tomar mais medidas se as forças de segurança matarem pessoas desarmadas e atacarem jornalistas e activistas, numa resposta das autoridades que o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, chamou de “violência abominável”.

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