Covid-19: situação no Brasil nunca esteve tão grave como agora

Desde o início do ano que se batem recordes de mortes diárias e hospitalizações. Mas Bolsonaro mantém a oposição a medidas de isolamento.

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Fevereiro foi o segundo mês com mais mortes causados pela covid-19 no Brasil desde o início da pandemia RAPHAEL ALVES / EPA

O Brasil está a atravessar o período mais grave da pandemia da covid-19 até ao momento, agravado pela persistência da crise política entre os governadores e o Presidente, Jair Bolsonaro, que insiste em rejeitar a adopção de medidas de isolamento para a população.

Ao todo, são mais de 255 mil mortes e mais de dez milhões de casos que o Brasil regista desde o início da progressão da pandemia, há cerca de um ano, o que faz do maior país sul-americano o segundo do mundo mais atingido pela doença. Essa posição está a consolidar-se depois de um mês de Fevereiro em que morreram 30.484 pessoas pela doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 – apenas Julho do ano passado superou este valor, com três dias a mais.

A média móvel de mortes diárias está acima das mil há 39 dias consecutivos, de acordo com os números que um consórcio de imprensa reúne – o Ministério da Saúde interrompeu a divulgação dos dados diários sobre a covid-19 há vários meses. Em oito estados, o número de mortos nos primeiros dois meses do ano foi o dobro face aos dois meses anteriores.

A situação nos hospitais é também mais grave do que em momentos anteriores que, até agora, eram considerados os picos da pandemia no Brasil. Segundo os últimos balanços, em 17 dos 26 estados brasileiros, e também no Distrito Federal, o sistema hospitalar está perto do colapso, de acordo com a CNN Brasil.

Em São Paulo, a maior cidade do país, três dos maiores hospitais privados estão muito próximos de esgotar a capacidade. No hospital Albert Einstein, onde foi diagnosticado o primeiro caso de infecção no Brasil, bateu-se o recorde de internamentos desde então em Fevereiro.

O mesmo acontece em cidades do interior do estado, que até tinham sido mais poupadas às vagas anteriores, mas que desde o início do ano atingem novos recordes. Em Araraquara, uma cidade com 238 mil habitantes a 270 quilómetros de São Paulo, não há vagas nas unidades de cuidados intensivos há uma semana e em Janeiro e Fevereiro morreram 113 pessoas, mais do que em todo o ano anterior por causa da covid-19.

Uma das situações mais preocupantes é a de Porto Alegre, que no final de Fevereiro viu esgotar pela primeira vez a capacidade de internamento dos hospitais, algo que até agora não tinha acontecido na capital do Rio Grande do Sul. No estado do Acre, os hospitais também estão lotados, numa altura em que o estado do Norte enfrenta, para além dos efeitos da pandemia, um surto de dengue, cheias e uma crise migratória, que levou o governo estadual a decretar o estado de calamidade pública.

Festas e crise política

Os primeiros meses de 2021 coincidiram com uma combinação de factores explosiva no Brasil. O alívio das restrições ao confinamento por altura das festas de Natal e do Ano Novo deu azo a um considerável aumento das deslocações – as festividades coincidem com as férias de Verão no Brasil, em que muitas famílias aproveitam para sair das cidades para as praias ou para o interior dos estados.

Os especialistas dizem que os efeitos das festas de Carnaval – os desfiles oficiais foram proibidos, mas muitas pessoas acabaram por se juntar em festas privadas e ilegais – ainda estão por se fazer sentir.

A isto junta-se a cada vez maior propagação da variante de Manaus do vírus, que ainda não foi muito estudado, mas parece indiciar uma maior transmissibilidade. O epidemiologista Airton Stein, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, diz ao G1 que o Brasil está a fazer um “voo cego” na gestão da nova variante. “Não tem, em todo o país, um número adequado de vigilância genómica [da estirpe de Manaus], disse o especialista.

Como pano de fundo da crise sanitária, arrasta-se a crise política que há um ano opõe Bolsonaro à maioria dos governadores, que se queixam da falta de uma coordenação nacional para fazer frente à pandemia. Bolsonaro insiste em rejeitar a adopção de medidas de restrição de movimentos da população e de encerramento das actividades não-essenciais.

Esta semana, numa viagem ao Ceará, o Presidente brasileiro voltou a criticar essas medidas. “Essa politicalha do ‘fica em casa, a economia a gente vê depois’ não deu certo e não vai dar certo. Não podemos dissociar a questão do vírus e do desemprego”, afirmou. Bolsonaro também ameaçou deixar a factura dos subsídios sociais para os governadores que decidirem manter em vigor a quarentena, embora a última palavra sobre o assunto caiba ao Congresso.

Numa carta aberta, os secretários de Saúde pediram a aplicação de um conjunto de medidas nas cidades em que o sistema de saúde está mais pressionado, como o recolher obrigatório nocturno, o encerramento de praias e estabelecimentos comerciais, e a imposição de controlos sanitários nos aeroportos.

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