O PRR e as florestas: a reprise de um filme já muito gasto

Entre a “grande reforma” de Capoulas Santos e o “programa de gestão da paisagem” de Matos Fernandes, o que define os dois ministros é uma mesma estratégia do anúncio de milhões de euros a atirar à fogueira.

Na sequência da “grande reforma da floresta” do dr. Capoulas Santos, Portugal foi o país que maior área ardida registou na União Europeia em 2016, em 2017 e em 2018. Há aspectos da vida europeia onde somos “grandes”. Em 2019 e, até ver, em 2020, a Roménia tirou-nos do lugar cimeiro, mas estamos logo atrás. Nem vale a pena argumentar sobre as diferenças entre as superfícies territoriais ou de ocupação florestal entre o nosso país e alguns dos outros Estados-membros. A demonstração de incapacidade em gerir o nosso território torna-se assustadora. 

Dirão, mas o problema vem muito de trás! Não advém só do governo onde esteve recentemente o dr. Capoulas Santos. É verdade! Vem de trás, até de governos onde o dr. Capoulas Santos e o dr. António Costa foram ministros, da Agricultura e da Administração Interna. No último caso, deixou marca até hoje. Marca pela negativa, entenda-se! 

O curioso é que, na passagem da “grande reforma” do dr. Capoulas Santos para o “programa de gestão da paisagem” do eng. Matos Fernandes, não se vislumbra alteração de paradigma. Esperemos que a meteorologia nos ajude, entretanto. Com as alterações climáticas em curso a probabilidade é cada vez mais reduzida, mas parece que há quem acredita em milagres. Na verdade, o que define os dois ministros é uma mesma estratégia do anúncio de milhões de euros a atirar à fogueira. 

Não vale a pena voltar a explicar o que define uma reforma e o tanto que precisamos dela. Existem pessoas mais qualificadas para essa explicação. Mas uma “reforma”, vista num enquadramento meramente sectorial, fora de todo um contexto de êxodo rural, de deficiência formativa, de injustiça fiscal, de mercados em concorrência imperfeita, entre outros domínios, assente num combate às consequências, é tudo o que já não temos paciência para aturar. 

No meu caso, a experiência em consultas públicas a “reformas” florestais vem desde o Programa de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa. Programa lançado pelo governo onde foi primeiro-ministro o actual secretário-geral das Nações Unidas. O plano levou à impressão de um quarto de centena de páginas no Diário da República. Na altura, a esperança era reforçada pela aprovação recente da Lei de Bases da Política Florestal. Uma esperança, conclui-se, alimentada pela inocência. 

De então para cá basta observar o gráfico da área ardida em Portugal. Nada mais fácil de fazer para avaliar resultados da política florestal de Portugal. Já lá vão mais de 20 anos. Mais de 20 anos de contínua degradação dos ecossistemas, de perda de coberto arbóreo, de exposição crescente a pragas e a doenças, à expansão de espécies exóticas e invasoras. Vinte anos de comprovado falhanço governamental e dos parceiros do sector silvo-industrial. Vinte anos de crescente insegurança para as populações, seja pela proximidade às chamas, seja pela distância a que chega o fumo, com consequência na qualidade do ar e no agravamento de doenças cardiopulmonares, ou da contaminação das águas de abastecimento humano, pela incapacidade em conter o escorrimento das cinzas pós-incêndios. 

No plano de recuperação e resiliência agora apresentado pelo Governo, ainda em versão preliminar, no que toca às florestas a história repete-se. Lá vêm os anúncios de disponibilidade de centenas de milhões de euros para a floresta (que o país não tem). Lá vêm os “PowerPoint” de cores agradáveis e cronogramas de boas intenções. Vêm ainda as ameaças, as ameaças a quem já é ameaçado. Ameaçado pelos mercados, sob a permissão governamental, com um longo desequilíbrio na distribuição da riqueza ao longo das cadeias produtivas. Aliás, reforça-se neste plano a tese de que o governo só é forte com os fracos. Não que o fracos sejam fracos, já que a sua fraqueza advém da incapacidade em unir vontades na defesa de interesses comuns. 

Nota final sobre os milhões: Entre o anunciado e o que se traduz em realização física (e muito dela acaba por arder) vai um abismo. Entre o inicialmente anunciado e o realmente executado vêm as reprogramações: As reprogramações são um procedimento “de engenharia financeira”, ou melhor, um baixar da fasquia entre uma altura de salto para um atleta olímpico e o salto de uma criança de dois anos. Depois de baixar a fasquia argumenta-se que a taxa de execução dos milhões foi um sucesso. Todavia, este nem é o caso do PDR2020, onde o insucesso é impossível de mascarar.

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