A história da canção Coimbra contada num filme inédito

De música enjeitada a sucesso mundial, o percurso deste tema internacionalizado por Amália é o mote de um documentário que se estreia esta segunda-feira na RTP1.

Foto
Capas Negras, com Amália, foi o filme onde se ouviu pela primeira vez a canção DR

Nasceu sem nome, para uma opereta que a rejeitou, ganhando título e letra num filme. Mas foi a partir de França, rebaptizada, que começou a sua auspiciosa carreira internacional. Este é o mote de Coimbra – História de Uma Canção, filme que se estreia esta segunda-feira na RTP1 (23h), documentando a saga de uma música que ainda não parou de correr mundo.

Produzido e idealizado por Ivan Dias, com realização de Jorge Carvalho, o documentário é de 2015, mas manteve-se inédito até agora, devido à difícil (mas já conseguida) resolução de questões autorais de algumas das versões apresentadas. Já as suas raízes são antigas, como recorda Ivan Dias ao PÚBLICO: “Nos meus tempos de Coimbra cantava e tocava bandolim na Estudantina e em alguns festivais fui eu o intérprete do Coimbra. Essa minha ligação à canção e à obra do Raul Ferrão alimentou a profunda amizade que tenho com o realizador Ferrão Katzenstein, neto do autor da música. O avô, o pai [Ruy Ferrão] e ele sempre coleccionaram tudo o que tinha a ver com Coimbra e podiam-se fazer filmes e filmes só com os discos e as notícias que eles juntaram.”

A história da canção é atribulada. Inicialmente, Raul Ferrão escreveu a música, junto com Lisboa, não sejas francesa, para a opereta A Invasão, de 1945, com Mirita Casimiro e Vasco Santana. Só que, como conta Ferrão Katzenstein no documentário, “foi radicalmente recusada pelo elenco” e o autor guardou-a para melhores dias”. Que chegaram em 1947, quando Armando de Miranda lhe pediu, com alguma urgência, uma música para um filme que ia rodar nesse ano, Capas Negras. “Então o meu avô lembrou-se da tal música.” Com letra de José Galhardo, seu habitual parceiro de composições, a canção entrou no filme com o título Coimbra é uma lição de amor e foi ali cantada por Alberto Ribeiro.

Foto
Capas de discos onde Alberto Ribeiro e Amália gravaram Coimbra

Ironia das ironias, Alberto Ribeiro (na pele de um quintanista) cantava-a para Amália (no papel de uma tricana), sem poder imaginar que seria ela a celebrizá-la, três anos depois, em 1950, ao cantá-la em Dublin a pedido de Yvette Giraud. Amália andava numa digressão no âmbito do Plano Marshall, criado para fomentar a reconstrução da Europa no pós-guerra, e a intérprete francesa pediu-lhe que lhe mostrasse canções que pudessem adaptar-se ao seu idioma. Amália cantou Lisboa, não sejas francesa e Coimbra. Foi esta a escolhida, ganhando não só letra mas também um título em francês: Avril au Portugal.

A partir daí, a canção “voou”. Amália integrou-a no seu repertório e cantou-a no Olympia, quando os franceses já a conheciam como Avril au Portugal. Em inglês, foi gravada como April in Portugal, mas também como The Girls of Nazaray (Avril au Portugal). O documentário recorda várias das muitas versões desta música (conhecem-se 865), tais como as de Yvette Giraud, Louis Armstrong, Bert Kaempfert, Bing Crosby, Enoch Light, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Chavela Vargas, Perez Prado ou Xavier Cugat. Tendo, ainda, ao vivo, interpretações de Ricardo Toscano com Marco Rodrigues, Marta Pereira da Costa (na guitarra portuguesa), Fernando Meirelles (na sanfona), Amadeu Magalhães (no cavaquinho), Maria João com o grupo Ogre, o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra e os alunos do Conservatório de Música de Coimbra com Jenyfer Santos como solista.

Foto
Capa do disco de 2004 com 24 versões de Coimbra

O documentário conta ainda com depoimentos de Ferrão Katzenstein, neto de Raul Ferrão (1890-1953), Maria José Galhardo, filha de José Galhardo (1905-1967), Rui Vieira Nery, Joel Pina (1920-2021), José Jorge Letria, Miguel Júdice e José Moças (Tradisom), que em 2004 editou um CD com 24 versões de Coimbra.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários