Sánchez repudia conduta de Juan Carlos sem atacar a monarquia espanhola

Ex-chefe de Estado, que abdicou em 2014, devolveu 4,4 milhões de euros ao fisco para evitar ser acusado de crimes. Defesa acredita que todas as investigações que envolvem o rei emérito serão arquivadas.

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Juan Carlos abandonou Espanha em 2020, seis anos depois de ter abdicado Sergio Barrenechea/EPAJ

Questionado sobre os problemas fiscais e de justiça de Juan Carlos I, o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, afirmou esta sexta-feira sentir “o mesmo repúdio que a maioria da cidadania espanhola”. Sánchez falava numa conferência de imprensa, pouco depois de o advogado do antigo monarca ter confirmado que este fez uma segunda regularização fiscal no valor de quase 4,4 milhões de euros, apresentando de forma voluntária uma nova declaração de impostos complementar para assim poder evitar uma acusação de delito fiscal.

“Tenho de recordar que aqui não estão em causa as instituições, mas o comportamento de uma pessoa. Se alguém cometeu irregularidades, o que tem a fazer é repará-las”, disse o chefe do Governo. “Sobre as condutas anticívicas, sinto o mesmo repúdio que a maioria da cidadania espanhola”, acrescentou, lembrando que já manifestara “inquietude face às informações sobre o anterior chefe de Estado”. O líder socialista quis ainda sublinhar que o actual rei, Felipe VI, “marcou um antes e depois a favor da exemplaridade e da transparência”.

Esta regularização de dívida é já a segunda realizada por Juan Carlos desde que abandonou Espanha e se instalou em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, em Agosto de 2020, precisamente depois de o Supremo Tribunal abrir uma investigação sobre as suas contas em paraísos fiscais e a suposta doação de milhões que recebeu depois de um consórcio espanhol assegurar as obras do TGV em Meca, na Arábia Saudita. A primeira regularização, de 678 mil euros, foi paga ao fisco em Dezembro.

De acordo com um comunicado do advogado do ex-monarca, Javier Sánchez-Junco, a segunda regularização, de 4.395.901,96 euros, “incluindo juros de mora e encargos”, visa satisfazer uma divida fiscal correspondente “a rendimentos derivados de gastos por viagens e serviços realizados pelo rei e assumidos pela Fundação Zagatka, que poderiam derivar em determinadas obrigações tributárias que ficaram regularizadas”. Estes gastos, explica o jornal El País, referem-se a voos com jactos privados que até 2018 eram pagos pela fundação que é propriedade de um primo afastado de Juan Carlos, Álvaro de Orleans.

O termo “rendimentos” confirma que a declaração agora apresentada complementa a sua declaração sobre rendimentos e não se refere ao imposto sobre as doações, como aconteceu na primeira, continua o diário, acrescentando que o montante que ficou por declarar ao fisco está estimado em mais de oito milhões de euros.

Já a declaração de Dezembro servira para regularizar a questão do dinheiro que Juan Carlos recebeu do empresário mexicano Allen Sanginés-Krause, que tem negócios em Espanha, entre 2016 e 2018. Segundo a investigação da Procuradoria-Geral espanhola – a segunda aberta contra Juan Carlos –, os cartões de crédito pagos pelo empresário terão sido usados para pagar gastos do ex-monarca e dos seus familiares (excluindo os reis actuais), como viagens, restaurantes ou hotéis.

A legislação prevê que um contribuinte possa evitar ser acusado de um delito fiscal se regularizar a sua dívida antes de receber alguma notificação das Finanças.

Entre as várias investigações de que é alvo, a defesa de Juan Carlos acredita que a questão dos milhões recebidos por supostas comissões no caso de Meca (em 2012) será arquivada, já que se refere a uma altura em que ainda era chefe de Estado, contando que o caso do dinheiro do empresário mexicano seja igualmente arquivado através da regularização da dívida. E nega que tenha contas em paraísos fiscais.

Num comentário a esta regularização, o presidente do Unidas Podemos, partido parceiro do PSOE no Governo, Jaume Asens, criticou a “passividade” e os “atrasos” da Procuradoria-Geral e do Ministério Público, que permitem assim ao rei, que abdicou em 2014, de “iludir a justiça”. Notando que não acredita que esses atrasos sejam intencionais, o deputado notou que deram a Juan Carlos a oportunidade de “garantir a impunidade dos seus alegados crimes”.

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