A arte de ensinar as crianças a esperar

Também concordo que todos nós, crianças e adultos, temos falta de prática em escutar o outro. Mesmo nas conversas em que estamos envolvidos somos rápidos a interromper e a ouvir apenas a informação que nos permite pensar numa resposta.

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@DESIGNER.SANDRAF

Ana,

É muito irritante quando os miúdos interrompem as conversas dos adultos. Ignoram completamente que estamos a falar e perguntam-nos coisas, como se não estivesse uma pessoa à nossa frente ou do outro lado da linha. Ou, em estando, partindo do princípio que têm a obrigação de esperar que o assunto deles se resolva primeiro.

No meu tempo não era assim — há quantas Birras não usava esta expressão! Levávamos nas orelhas e esperávamos, impacientes sim, saltitando de um pé para o outro, fazendo gestos e mímicas, mas calados. Já vocês... hum, não sei. Suspeito que mal percebia que havia o risco de interromperem a conversa, apressava-me a pedir desculpa ao meu interlocutor — “Só um minutinho para resolver aqui uma questão” — tal o medo que vocês passassem por mal-educados, ou seja que ficasse muito evidente que eu não vos sabia educar (como tu e os teus irmãos me lembravam sempre que usava o termo).

Pronto é isto. Quero que me elucides sobre a arte de ensinar as crianças a esperar.

PS: Ana, só um aviso, não os desculpes, por favor, dizendo-me que os adultos também se interrompem constantemente, que o facto de os adultos serem mal-educados só reforça a minha ideia de que temos de investir numa nova geração com mais respeito pelos outros.


Querida Mãe,

Espere, mas então na sua geração não interrompiam os adultos e, no entanto, agora que são crescidos interrompem? Já com a minha foram mais permissivos e nós também interrompemos... Bem então se calhar não há mesmo nada a fazer!

Agora a sério, concordo que é a coisa mais irritante do mundo. Então com o telefone há menos cerimónia e adoro (ironicamente) quando depois de respondermos “Querido, agora espera que estou ao telefone”, eles dizem logo “Ah, está bem, desculpa... Mas mãe...” e continuam como se nada fosse. Ou então aproximam-se vêem que estamos ao telefone e começam numa narrativa gigante contando uma história qualquer (normalmente sobre como os irmãos foram injustos), completamente insensíveis a qualquer indício de que a) não estamos a ouvir b) não queremos ouvir!

Também concordo que todos nós, crianças e adultos, temos falta de prática em escutar o outro. Mesmo nas conversas em que estamos envolvidos somos rápidos a interromper e a ouvir apenas a informação que nos permite pensar numa resposta. E isto é especialmente verdadeiro em relação aos nossos filhos. É muito difícil não os interromper o tempo todo ou porque, como somos mais rápidos e experientes, percebemos o que nos querem dizer logo no início e cortamos-lhe a palavra com um “Sim, sim já percebi”, ou porque perdemos rapidamente a paciência para o tempo que as histórias demoram.

E é exigente acalmar o nosso ritmo, nivelando-o pelo ritmo deles. E eles também têm dificuldade em adaptar-se ao nosso, como por exemplo quando o “é só um bocadinho”, significa daqui a uma hora e meia. O tempo não é igual para as crianças e compreender quanto têm de esperar não é automático, muito menos encontrar a paciência para aguentar, já para não falar no treino para guardarem na memória o que tinham para nos dizer.

Mas, mãe, há formas de ir exercitando a espera, e uma delas é a vida real: para isso é preciso que não estejamos sempre a alterar a realidade, para lhes dar a prioridade 100% das vezes, sacrificando-nos a nós e às nossas conversas. A outra é ir-lhes lembrando que têm de esperar, com calma, milhões de vezes, com a consciência de que é uma competência difícil, e que faz parte do nosso “job description” repetir tudo muitas vezes, durante anos a fio.

Eu tenho um truque que é, para mim, o melhor de todos, até porque é muito simples, e extraordinariamente eficaz: o truque da mão. Combinar com eles um código secreto – normalmente pedir-lhes para colocarem a mão deles na nossa anca, sem dizer nada, quando querem dizer alguma coisa e estamos a falar com alguém. Logo que sentirmos esse toque pomos a nossa mão por cima da deles, sinalizando que “Já percebi que tens alguma coisa para me dizer, e logo que puder pergunto-te o que é”. O conselho é que ao início se responda bastante depressa, para mostrar o sucesso da estratégia mas ao longo do tempo, mais ainda com os mais velhos, se vá prolongando o tempo de espera, apenas apertando a mão de vez em quando para mostrar que não nos esquecemos do pedido.

Funciona mesmo! E é, na verdade um truque óptimo mesmo entre marido e mulher quando há mais gente à volta.

Beijinhos

P.S.: Depois há sempre a nossa estratégia de ficar presas no elevador, lembra-se? Essa é 100% eficaz!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

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