Maria Teresa Horta vence Prémio Casino da Póvoa com Estranhezas

Júri decidiu por maioria premiar um livro que é um “canto celebratório” da poesia. Anúncio abriu esta manhã a 22.ª edição (em formato online e compactado) do festival Correntes d’Escritas.

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enric vives-rubio

“Este é um livro muito especial para mim, e muito ambíguo. O último livro de uma partilha”, diz Maria Teresa Horta ao PÚBLICO sobre Estranhezas, livro com que venceu por maioria a edição 2021 das Correntes d'Escritas. Pela primeira vez em formato virtual, o festival que arrancou esta manhã com o anúncio da obra galardoada com o prémio Casino da Póvoa dedica a sua 22.ª edição ao escritor chileno Luís Sepúlveda, que morreu na Primavera passada, vítima de covid-19, após uma passagem pelo evento da Póvoa de Varzim.

Com um valor de 20 mil euros, o prémio Casino da Póvoa consagra um livro que, no entender do júri, subverte e actualiza a ideia de poesia como canto celebratório”. Emocionada, Maria Teresa Horta refere-se a Estranhezas de forma muito íntima. “É um livro de que gosto muito, estranho. Ser este livro a ganhar o prémio perturbou-me um pouco porque me trouxe tudo de volta.” A escritora refere-se à relação “apaixonada” com o marido, o jornalista Luís de Barros, que morreu em Novembro de 2019, e ao qual dedicará o seu próximo volume de poesia, Paixões, que sairá ainda este ano. “Não é apenas [ter] um prémio, é ter um prémio com este livro”, insiste a escritora depois de saber que a sua obra foi a escolhida entre os 11 livros de poesia finalistas desta edição.

“Ganhar o prémio agora, e num festival como as Correntes d'Escritas, onde sempre fui muito bem acolhida, num momento como o que todos estamos a viver, é mesmo uma estranheza. Por tudo isto é importante para mim que este livro tenha um prémio, porque foi o último que fiz com o Luís vivo. É bom, é perturbador. Uma perturbação boa”, continua Maria Teresa Horta, reflectindo sobre um livro que o júri classificou como uma “síntese de um percurso poético ancorado na celebração do corpo e do desejo que estabelece um diálogo transgressor com a lírica medieval e renascentista”.

Na nota justificativa do voto, o colectivo composto por Daniel Jonas, Inês Pedrosa, José António Gomes, Luís Caetano e Marta Bernardes acrescenta ainda que Estranhezas “é uma exaltação da paixão, da beleza, do real concreto e efémero eternizado pela deslocação da esfera do tempo para o espaço da escrita”.

Publicado no Outono de 2018, o livro divide-se em sete partes: No Espelho, Da Paixão, Da Beleza, Alteridades, Tumulto, Ferocidades Diante do Abismo. Em todas se pode ler o que a editora da D. Quixote, Cecília Andrade, diz ser a essência poética de Maria Teresa Horta: Este livro é a poesia da Teresa. A Teresa é aquela pessoa que diz ‘eu sou a minha poesia’. Dito isto, este livro é a Teresa.” Enfatizando o lado autobiográfico deste volume, a editora salienta que toda a obra literária de Maria Teresa Horta “é o que ela pensa, o que ela respira, o que ela sente”.

Também o júri destaca o facto de este livro constituir uma revisitação da obra da autora, algo que é sublinhado em cada uma das sete partes em que se divide. Elas “revisitam e deslocam os temas centrais da obra de Maria Teresa Horta que, desde o seu primeiro livro (Espelho Inicial, 1960), criou um glossário e uma sintaxe muito especiais, um idioma singular que subverte e actualiza a ideia de poesia como canto celebratório, brincando com as convenções da rima e do ritmo, fazendo-as implodir num erotismo vital, que se exerce numa contínua experimentação dos limites de nudez e mistério da palavra”.

Natural de Lisboa, onde nasceu em 1937, Maria Teresa Horta tem uma obra vasta que oscila entre a prosa e a poesia. Apesar de ser a primeira vez que venceu o prémio Correntes d’Escritas, já tinha sido finalista em edições anteriores, nomeadamente com o romance As Luzes de Leonor (2011), biografia ficcionada da Marquesa de Alorna. Os temas e a linguagem de forte carga erótica são uma das marcas da sua obra, que ganhou uma dimensão marcadamente política quando se juntou a Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno no livro Novas Cartas Portuguesas, volume de que em 2022 se celebrarão os 50 anos.

Estranhezas sucede a Sua Excelência de Corpo Presente, do angolano Pepetela, romance vencedor da edição do ano passado (o prémio distingue alternadamente obras de prosa e de poesia). Ana Luísa Amaral, Nuno Júdice, A. M. Pires Cabral, Emanuel Madalena, Eucanaã Ferraz, Fernando Guimarães, Filipa Leal, Gilda Nunes Barata, Jorge Sousa Braga e Rita Taborda Duarte eram os restantes finalistas do prémio Casino da Póvoa 2021.

Notícia corrigida: numa  versão anterior dizia-se que o prémio tinha sido atribuído por unanimidade, mas foi por maioria 

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