Como a oposição faz oposição

Rui Rio, que considera que apenas abrandou a oposição ao Governo entre Março e Maio do ano passado por causa da pandemia, é líder do PSD e tem lugar na Assembleia da República (o que nem sempre aconteceu com os presidentes daquele partido), mas a prioridade não tem sido marcar a agenda da Assembleia da República.

Há muita coisa que mudou com a pandemia. A torrente legislativa do PSD não foi uma delas. Manteve-se na mesma: ténue. 

Rui Rio, que considera que apenas abrandou a oposição ao Governo entre Março e Maio do ano passado por causa da pandemia, é líder do PSD e tem lugar na Assembleia da República (o que nem sempre aconteceu com os presidentes daquele partido), mas a prioridade não tem sido marcar a agenda da Assembleia da República. A primeira sessão legislativa desta legislatura decorreu entre Outubro de 2019 e Julho de 2020, tendo sido marcada pelo início da pandemia de covid-19 só a partir de Março. Nesse período, o PSD apresentou 26 projectos de lei (sobre o exercício do direito de petição, os suplementos especiais para grávidas, a alteração à formação dos magistrados ou o registo internacional de navios da Madeira, entre outros). Foi o partido com menor iniciativa legislativa, tendo em conta o rácio por deputado (tem 79). Mas se olharmos para a última sessão da anterior legislatura (Setembro de 2018 a Julho de 2019), pouca diferença se nota: durante esse período, o PSD apenas apresentou 28 projectos de lei (entre eles um sobre o Regime Jurídico da Avaliação do Ensino Superior, outro sobre a atribuição de um subsídio para o arrendamento para famílias numerosas e monoparentais ou ainda sobre regulamentação do lobbying).

É interessante ver, por exemplo, o comportamento dos parceiros originais da “geringonça”. O PCP, por exemplo, triplicou com a pandemia a sua actividade (passando de 48 projectos de lei para 137), e isso explica-se pela posição sui generis do partido: dá, por um lado, a mão ao Governo no Orçamento do Estado, mas isso não tem toldado a sua capacidade de apontar críticas e pressionar António Costa e o partido que aquele dirige para corrigir algumas medidas. Isso nota-se também nos pedidos de apreciação parlamentar em que é campeão: 21 ao todo, durante a legislatura em curso — sendo que a apreciação parlamentar é o mecanismo que os partidos têm de chamar a discussão e votação no Parlamento um decreto que o Governo pôde aprovar em Conselho de Ministros e que não carecia de passar pelo crivo do Parlamento. Quando assim é, quando um partido pede a apreciação parlamentar, quer dizer que discorda frontalmente do que o Governo ali fez e que quer chumbar esse diploma. Este mecanismo já levou a que, por exemplo, a oposição se tenha unido para devolver aos professores a contagem integral do tempo de serviço que estava suspensa — o que causou muita polémica, tendo acabado o PSD por recuar a meio do processo. Mas normalmente funciona mais como mecanismo de pressão sobre o Governo, pois são poucas as vezes em que a oposição se consegue unir em coligação negativa.

Já o BE fez um caminho semelhante ao do PCP, passando de 59 projectos de lei para 87 na primeira sessão legislativa. E o mesmo aconteceu com o PAN: passou de 34 para 76 projectos de lei.

Ora, quando o actual líder do PSD, Rui Rio, fala em ser oposição, convém ir ver em concreto o que é que isso significa na casa da democracia. E convém que o PSD tenha em atenção os acordos que faz com o PS e o Governo para que não faça a figura que fez esta semana, quando quis, no Parlamento, criticar o Governo pelo facto de Portugal ter descido recentemente de categoria no Índice de Democracia elaborado anualmente pela revista​ The Economist, deixando de ser um “país totalmente democrático” para regressar à categoria de “democracia com falhas”. Na resposta, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, rapidamente lembrou que um dos factores que a The Economist teve em conta foi a diminuição de debates regulares com o primeiro-ministro na Assembleia da República alteração ao regimento que curiosamente foi feita por iniciativa do PSD. Estranha forma de fazer oposição.

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