Carta Aberta ao Senhor Presidente da República por ocasião do Conselho de Ministros sobre a Floresta

Apelamos e sensibilizamos o Senhor Presidente da República para que não promulgue automaticamente a legislação que vier a ser aprovada na reunião a que vai presidir, sem antes a avaliar devidamente, desencadeando consultas a especialistas e envolvendo os actores no terreno.

O Senhor Presidente da República vai presidir, no próximo dia 4 de Março, à última Reunião do Conselho de Ministros (RCM) que terá lugar no decurso do presente mandato. Esta RCM será dedicada à temática da gestão das florestas, sendo expectável que, nessa ocasião, seja aprovado o Programa Nacional de Acção do Plano Nacional de Gestão Integrada dos Fogos Rurais, assim como legislação que consagra um regime jurídico de Arrendamento Forçado.

A iniciativa, que tem uma forte carga simbólica – recorde-se que o executivo de António Costa convidou, a 3 de Março de 2016, o ex-Presidente Cavaco Silva para presidir à última RCM do seu mandato, subordinada à temática do Mar –, não pode significar uma promulgação automática daquele Programa e da legislação conexa. Ou seja, o simbolismo não deve ser confundido como uma concordância tácita aos diplomas que ali venham a ser aprovados.

Percebe-se a intenção do primeiro-ministro ao optar por esta temática na presença do Senhor Presidente, que tão exigente foi para com o Governo na gestão dos temas da Floresta e dos trágicos incêndios de 2017 que tantas vítimas causaram. Há, no entanto, uma enorme discussão por fazer que não pode ficar confinada àquela RCM, ou ao circuito fechado que vai de São Bento a Belém. Gestão integrada da Floresta é diferente de Gestão integrada do Combate aos Fogos Florestais.

O sector Florestal, constituído por centenas de milhar de pessoas e de milhares de empresas, com um peso muito substancial na riqueza e no emprego gerados em Portugal, está às escuras sobre o que vai ser decidido.

Como entendemos que o Governo não deve, numa matéria tão relevante quanto esta, decidir de costas voltadas para todo um sector, sobretudo quando se pretende que a Floresta seja um activo relevante para a retoma da economia, apelamos para que o Senhor Presidente da República possa ser o protagonista de um processo que se deseja vivo e participado, com o envolvimento amplo dos agentes do sector e dos seus representantes associativos. É com os produtores e empresários florestais que estas políticas devem ser discutidas e debatidas antes de serem aprovadas.

Medidas decididas nos gabinetes dos corredores do poder em Lisboa não têm servido o país rural. Tem sido assim ao longo de décadas e muito receamos que agora não seja diferente, sobretudo num momento em que Portugal vai beneficiar de uma expressiva injecção de financiamento comunitário que importa aplicar de forma eficiente e com conhecimento técnico e efectivo do território, das suas características e necessidades.

A recente dispersão governamental da tutela sobre a floresta, a falta de uma visão de conjunto, o desconhecimento técnico e de terreno, a degradação do VAB da silvicultura, uma execução medíocre de apenas 55% do Programa de Desenvolvimento Rural das Florestas, onde estão os apoios ao investimento florestal, são aspectos muito negativos que se somam ao desastre de mais de 855 mil hectares de superfícies rurais ardidas desde 2015 – o equivalente a quase 10% do território continental – e recomendariam que, antes de haver decisões, houvesse diálogo e concertação com o sector.

O ridículo fala por si: em 2019 foram arborizados menos de 2000 hectares em todo o país. O eucalipto, essa árvore “maldita” que tanta riqueza traz à nossa economia, continua proscrito por motivos ideológicos, a que agora se pretende juntar o pinheiro bravo com o apelido de “monocultura”. E sobre os tão desejados novos povoamentos de outras espécies, os números envergonham: 273 hectares plantados com sobreiros, 73 com carvalhos, 13 com castanheiros e, pasme-se, 2 ha com azinheiras, o equivalente a metade da Praça do Comércio!

A apreensão que temos e para a qual apelamos e sensibilizamos o Senhor Presidente da República é para que não promulgue automaticamente a legislação que vier a ser aprovada na RCM a que vai presidir, sem antes a avaliar devidamente, desencadeando consultas a especialistas e envolvendo os actores no terreno.

São cinco as dimensões fundamentais que defendemos. As medidas constantes do pacote legislativo para as Florestas deverão ser:

1. Tecnicamente correctas – deverão sempre assentar no melhor conhecimento técnico e científico existente e serem compatíveis com os modelos de silvicultura a que se destinam;

2. Exequíveis – de nada adianta a formulação de actuações de aplicação virtualmente impossível, seja pela condição dos seus destinatários, os proprietários florestais, do território ou da economia local;

3. Economicamente justificáveis – medidas impostas e inviáveis economicamente para os que as terão de aplicar, nunca terão sustentabilidade;

4. Produtivas nos seus objectivos – é imperativo que as medidas preconizadas tenham a capacidade de produzir por si só uma melhoria perceptível dos resultados;

5. Justas – a acção requerida aos proprietários florestais deverá ser acompanhada de um apoio efectivo por parte da sociedade, justificado pelo facto de que muitas das constrições com que se confrontam decorrerem dos resultados de décadas de políticas públicas insuficientes, quando não deficientes. É imperativo que não se faça recair sobre um grupo particular a totalidade dos custos da protecção colectiva de populações e território, devendo em simultâneo respeitar-se a propriedade privada.

O Senhor Presidente da República conclui o actual mandato presidindo a uma reunião do Conselho de Ministros sobre a Floresta. Cinco dias depois tomará posse para mais cinco anos, num contexto particularmente exigente e desafiante. Apelamos por isso ao Senhor Presidente para que inicie o seu segundo mandato com um sinal de abertura, inaugurando um debate amplo – curto na duração, mas intenso na discussão – para garantir que há futuro na Floresta portuguesa. O mundo rural não se esgota nem se reduz ao ambiente. Tem e sustenta vida, alberga pessoas, animais e empresas, tem economia. Para a promover e potenciar temos de respeitar e contar com os que lá estão.

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