“O 5G vai dar resposta à disrupção sem precedentes que vivemos”

O 5G está prestes a chegar a Portugal e promete impulsionar vários avanços tecnológicos. Em entrevista, o director do programa 5G da Vodafone, Pedro Santos, adianta o que está em jogo e explica como a nova tecnologia pode ajudar a superar os desafios provocados pela pandemia covid-19, nomeadamente em áreas como a da saúde, do ensino e, até, na retoma da economia nacional.

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Pedro Santos, director 5G da Vodafone Portugal

Se tivesse de explicar aos nossos leitores o que é o 5G, como o descreveria?

O 5G é a nova geração de redes móveis e, no imediato, o que a nova tecnologia vai trazer de diferente é a disponibilização de um conjunto de ferramentas mais alargado que, depois, se vai reflectir na forma como o vamos usar e tirar maior partido da rede. A cada nova geração, quando passámos do 2G para o 3G, e do 3G para o 4G, assistíamos apenas a um aumento de velocidade, que era aquilo que nos permitia ter dados mais rápidos. Obviamente também vamos ter isso com o 5G, mas essa evolução vai ser complementada com um conjunto acrescido de características que tornarão a quinta geração móvel a rede mais completa até à data.

Que características inovadoras são essas?

A mais óbvia, como já referi, é a velocidade. Com o 5G vamos atingir velocidades que podem ser até 20 vezes mais elevadas do que aquelas que conhecemos hoje no 4G. Mas a característica provavelmente mais diferenciadora é a baixa latência. A latência é o tempo de resposta da rede, aquilo que nos vai permitir interagir com um serviço em tempo real. O 5G terá ainda a capacidade de suportar muito mais dispositivos ligados entre si na rede, aquilo que habitualmente chamamos de massive IoT. A par disto, gosto de acrescentar uma quarta característica que tem a ver com a elevada resiliência da quinta geração móvel: é um elemento transversal a toda a rede, e que a torna mais robusta para suportar todos os serviços e inovações que surgirão com o 5G.

Podemos afirmar, então, que a baixa latência é a grande disrupção do 5G?

A capacidade de podermos interagir com um serviço em tempo real vai permitir impulsionar uma série de novos serviços e aplicações. Acredita-se, por exemplo, que a indústria automóvel vai evoluir no sentido da condução autónoma e, para isso acontecer, o 5G terá um papel fundamental. No dia em que carros autónomos e inteligentes comunicarem não só entre si, mas também com os peões e a infra-estrutura que os rodeia, vão conseguir tomar decisões cada vez mais acertadas. Se dois veículos chegarem simultaneamente a um cruzamento, mas não se estiverem a ver, só conseguem decidir qual é que trava se comunicarem entre si. Esta decisão tem de ser em tempo real e, para isso, a latência tem de ser mínima. Conectados em 5G, estes veículos conseguirão ‘negociar’ em tempo útil e em segurança. Há muitos serviços que hoje ainda não conhecemos, mas que vão tirar proveito desta característica.

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“No futuro, um carro, um robô, um bisturi poderão ser equipamentos 5G, não tem de ser necessariamente um smartphone. Esta é a grande ‘caixa de Pandora’ que se abre em cima de todas as características da quinta geração móvel” PEDRO SANTOS

Pensando no consumidor final, quais são as principais diferenças que se vão sentir entre o 4G e o 5G?

O 4G permitiu-nos ter smartphones mais rápidos, com ecrãs maiores, vídeos com mais qualidade, apps mais interactivas, e muito centrados na experiência de um cliente de consumo. Com o 5G, graças ao conjunto de características que descrevi anteriormente, vamos continuar a assistir à evolução dos smartphones, mas, no limite, até podemos desmaterializar o conceito de telefone tal como o conhecemos hoje. Um carro, um robô, um bisturi, etc., poderão ser equipamentos 5G, não tem de ser necessariamente um smartphone. Esta é a grande ‘caixa de Pandora’ que se abre em cima de todas as características do 5G. É por isso que gosto de pensar no 5G quase como um canivete suíço: é um conjunto de ferramentas e o seu sucesso está na forma como as usamos e as integramos no futuro.

Em Agosto de 2019, a Vodafone demonstrou o 5G aplicado à área dos media, com o jornalista José Alberto Carvalho a aparecer em holograma no festival Vodafone Paredes de Coura D.R.
Sob o olhar atento do Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Alberto Souto de Miranda, a Vodafone realizou a primeira ligação de roaming 5G, na fronteira entre Espanha (Tui) e Portugal (Valença) D.R.
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Em Agosto de 2019, a Vodafone demonstrou o 5G aplicado à área dos media, com o jornalista José Alberto Carvalho a aparecer em holograma no festival Vodafone Paredes de Coura D.R.

Nesse sentido, o 5G abre um grande leque de oportunidades para inovar…

Sem dúvida e, se calhar, o contexto de pandemia que estamos a viver acaba até por nos revelar o quão transformador o 5G pode ser. É em alturas de crise que se dão os saltos maiores e se aproveitam mais as ferramentas que temos para inovar. Na área da saúde, por exemplo, o 5G pode permitir que um paciente vá mais cedo para casa. Continua a ser monitorizado, porque tem um dispositivo 5G que comunica em tempo real com o hospital, com alguém que pode fazer esse acompanhamento à distância. O paciente tem os mesmos cuidados e a mesma atenção, mas este pormenor pode mudar o sector da saúde. Por sua vez, na educação continuamos a ver o esforço enorme que é necessário para se ter aulas à distância, mesmo com toda a transformação digital que já se verificou em 2020. Se um aluno puder ter à distância acesso a um conteúdo, por exemplo, na forma de realidade virtual ou de realidade aumentada, consegue ter uma noção quase prática do mesmo, algo que só teria se estivesse fisicamente à frente desse objecto. A tecnologia, e o 5G em particular, dá-nos essa possibilidade. A pandemia acelerou a digitalização e o 5G tem a capacidade de dar resposta à disrupção sem precedentes que vivemos. 

Poderemos contar com estas inovações todas logo no arranque do 5G?

A Vodafone Portugal está a trabalhar no 5G desde 2017, quando começámos a fazer as primeiras demos em protótipo, mas o 5G segue um calendário de standardização e vai ser entregue em fases. A primeira fase vai assentar essencialmente na maior velocidade, já de uma latência um pouco mais baixa, mas ainda não as latências de um milissegundo que serão o target. O tipo de serviços que vão ser usados serão mais a evolução típica do smartphone, em algumas aplicações já complementados com realidade aumentada e realidade virtual, mas aí estamos a falar mais numa lógica de mobile broadband. Depois, a cinco anos, poderemos começar a ter aplicações mais concretas de latências muito reduzidas e de elevadas fiabilidades e resiliências. Se pensarmos num caso como uma cirurgia remota, percebemos que se um cirurgião estiver a operar um equipamento à distância vai querer que o movimento seja instantâneo. Não só a rede tem de ter uma latência quase inexistente, como tem de ter uma resiliência enorme, porque é impensável que uma cirurgia seja interrompida por falta de rede. Estamos a falar de um serviço ultra-crítico. Mas este tipo de características nunca chegará antes de cinco, dez anos. O 5G será, portanto, um processo evolutivo.

Quando prevê que o 5G esteja disponível em Portugal para um número alargado de utilizadores e empresas?

O calendário do 5G em Portugal, tornado público pela Anacom em Julho de 2020, aponta o lançamento da nova tecnologia para o início deste ano. Será um processo faseado, uma vez que o 5G implica um investimento bastante considerável que deve, não só, ser colocado no sítio certo, ao serviço das necessidades do país, como tem de ser em linha com uma estratégia que contribua para a retoma da economia nacional.

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Como é que o 5G poderá impactar de forma positiva a economia nacional?

 Por ser, como já referi, um acelerador de transformação digital, o 5G pode ser uma ferramenta crucial para ultrapassarmos os desafios que vivemos actualmente e, consequentemente, contribuir para a retoma da economia nacional. Na primeira vaga desta pandemia, assistimos a empresas que foram obrigadas a transformarem-se: um dia produziam roupa, no outro dia produziam máscaras; um dia produziam bicicletas, no outro dia produziam ventiladores. Houve uma necessidade de se adaptarem, mas para que este tipo de flexibilidade e capacidade de transformação seja transversal a todo o tecido empresarial português, a aposta no 5G pode ser um factor determinante. Se uma fábrica, por exemplo, tiver de mudar de um dia para o outro toda a sua linha de produção, conectando todos os equipamentos dessa unidade fabril a uma rede móvel como o 5G, que é fiável, a transformação da fábrica será muito mais rápida. No fim do dia torna o negócio muito mais rentável para a empresa e, depois, para todos nós, clientes finais. Mas para que o 5G seja, efectivamente, uma ferramenta útil na retoma económica do País, é essencial que Portugal também tenha essa visão e se comprometa nessa aposta tecnológica. O lançamento do 5G obrigará a níveis de investimento muito avultados e, por isso, esses investimentos têm de ser relevantes, têm de ser os que melhor servem o país e os portugueses. Só assim se conseguirão potenciar novas oportunidades de negócio, tirar partido da capacidade que o 5G tem de transformar de forma célere organizações, estruturas fabris, sectores como a educação, a saúde, o e-commerce, etc., respondendo aos desafios e antecipando respostas a outro tipo de mudanças e de desafios que surjam de um dia para o outro.

Que tipo de empresas ou indústrias vão beneficiar mais do 5G?

Acreditamos que, no imediato, sectores como o da saúde e do ensino serão dois dos maiores beneficiários desta transformação. O 5G também pode ser transformacional para a área do trabalho remoto, uma vez que, por ser uma rede mais robusta e mais rápida, permite que se trabalhe de qualquer localidade como se se estivesse ligado a uma rede de fibra. Depois todo o tecido empresarial, pela flexibilidade que o 5G possibilita, bem como a possibilidade de ter milhares de equipamentos ligados, a chamada Internet das Coisas. A indústria automóvel será outro sector bastante impactado pelo 5G, bem como o desenvolvimento das smart cities.

Sabemos que inteligência artificial e o 5G não estão directamente relacionados, mas poderão ter sinergias interessantes. Como é que isso poderá funcionar?

A inteligência artificial é mais uma peça tecnológica, à semelhança da realidade aumentada, que pode ser potenciada com o 5G. O 5G vai permitir termos muito mais equipamentos conectados. Estes devices vão gerar muita informação e a inteligência artificial serve, precisamente, para trabalhar de forma sistemática e repetitiva informação, identificando padrões para auxiliar a tomada de decisão. Se tiver um paciente que está a ser monitorizado por um conjunto de equipamentos que estão a produzir informação, que está a ser transmitida para um hospital via 5G, se houver um algoritmo de inteligência artificial que processa estes sinais e perceba uma diferença de comportamento, pode dar uma indicação muito rápida a um médico para uma tomada de decisão. A inteligência artificial é mais uma ferramenta daquele tal canivete suíço, que nos permite, num cenário de incerteza e de mudança, criar processos que sejam adaptados às necessidades.

A relação entre o 5G e o Wi-fi será pacífica ou o Wi-fi vai-se tornar, progressivamente, obsoleta?

São duas coisas diferentes e que vão seguramente decorrer em paralelo. O 5G, na linha de todas as tecnologias móveis com base em espectro licenciado, tem características de segurança inerentes e de fiabilidade, algo que não existe do lado do wi-fi. O wi-fi é uma tecnologia que usa espectro não licenciado e, portanto, serve para utilizações muito mais de consumo e esporádicas, onde a segurança e a fiabilidade não são chave. Isto vai acontecer em paralelo, não tem de ocupar necessariamente o espaço um do outro, mas acreditamos que tanto a segurança como a fiabilidade são componentes críticas e o 5G vai-se diferenciar.

O 5G pode contribuir de alguma forma para a tão falada democratização do acesso à Internet?

Sim. Neste contexto de trabalho remoto ou de ensino à distância, um profissional ou um estudante que tenham a necessidade de continuar a sua actividade em zonas mais remotas do país podem continuar a fazê-lo em 5G, garantindo toda a experiência que teriam se estivessem em centros urbanos, onde as coberturas de fibra são mais garantidas. O 5G tem este papel da mobilidade, a capacidade de chegar efectivamente a zonas bastante amplas do país, democratizando assim o acesso às tecnologias de última geração.