Lisboa vê “apoio político forte” e avança com a directiva das multinacionais

Legislação obrigará as grandes empresas a publicar dados sobre lucros e pagamento de IRC. Há governos que avisam que está em causa uma medida fiscal que só pode ser aprovada por unanimidade. Alemanha abstém-se.

Foto
As regras aplicam-se às empresas com um volume de negócios igual ou superior a 750 milhões de euros Reuters/Arnd Wiegmann

Não há unanimidade entre os 27 Estados-membros, mas, perante um “apoio político forte” e “vivo”, a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE) vai seguir em frente com a negociação da directiva fiscal que obrigará as multinacionais que operam na UE a publicar informações sobre os lucros obtidos e os impostos pagos em cada jurisdição onde estejam presentes.

A decisão foi anunciada nesta quinta-feira pelo ministro Pedro Siza Vieira durante uma reunião informal dos ministros do mercado interno, indústria, comércio e economia, realizada por videoconferência.

Depois de cada governante expressar o seu ponto de vista sobre a última proposta de compromisso apresentada pela presidência portuguesa, Lisboa decidiu que é tempo de levar o dossier ao Comité de Representantes Permanentes dos Governos dos Estados-Membros (Coreper) para formalizar as “posições” assumidas na reunião desta quinta-feira e “iniciar as negociações com o Parlamento Europeu”.

Mas se agora existe uma “larga maioria” de parceiros europeus favoráveis à directiva, como Siza Vieira salientou no final da reunião, uma boa parte do debate centrou-se num ponto prévio: discutir qual é a base legal da iniciativa, uma questão determinante para saber se ela deve ser votada por unanimidade ou por maioria qualificada (com o acordo de 55% dos Estados-membros que representem, pelo menos, 65% da população).

Tanto a Comissão Europeia como a presidência portuguesa e outros Estados-membros entendem que a directiva não é do domínio da fiscalidade e que, por isso, pode ser votada por maioria qualificada, daí que tenha vindo a ser discutida no Conselho Competitividade, onde se reúnem os ministros do mercado interno.

No entanto, há outros Estados-membros que consideram que a base jurídica é de natureza fiscal, isto é, que o Conselho, para aprovar uma decisão, deve deliberar por unanimidade. Apesar da “larga maioria” anunciada por Siza Vieira, a falta de consenso fica espelhada no facto de alguns governos terem decidido juntar uma declaração escrita sobre esta questão de fundo, documento que o ministro português disse que será dado a conhecer ao Coreper.

Berlim com divisões

A directiva “CBCR” (o acrónimo em língua inglesa para a publicação de relatórios por país) prevê que as empresas com um volume de negócios igual ou superior a 750 milhões de euros tornem públicas algumas informações fiscais que hoje já têm de comunicar às autoridades tributárias, como por exemplo, uma breve descrição da natureza das actividades exercidas pelas empresas da multinacional, o número de trabalhadores, o montante do volume de negócios líquido, o montante dos lucros ou prejuízos antes de imposto, o montante do IRC pago ou o valor dos resultados acumulados.

Um dos países que ajudou a formar a maioria foi a Áustria. A Alemanha, pelo contrário, manteve-se “a meio da ponte”, dando um sinal de abstenção em relação à directiva, que poderá vir a expor formas de planeamento fiscal agressivo de algumas empresas. Christian Kastrop, ministro da Justiça e da Protecção dos Consumidores, disse que a avaliação interna em Berlim continua — e, por isso, o governo alemão ainda não irá levantar as suas “reservas” em relação ao texto apresentado. Mas não deixou de “agradecer” à Comissão e a Lisboa pela apresentação da versão de compromisso.

A Suécia e a Irlanda são dois dos países que consideram que se trata de uma matéria fiscal e que a base legal deve estar em conformidade com esse conteúdo.

A Comissão Europeia, representada na reunião pela comissária responsável pelos serviços financeiros, Mairead McGuinness, tem o entendimento contrário. Como a iniciativa “não mudará as regras fiscais aplicáveis às empresas” nem alterará as competências a nível nacional e a nível europeu, Bruxelas considera que a base jurídica [do domínio da competitividade] é a correcta”, disse McGuinness.

Portugal fundamentou que a directiva “é uma matéria societária que tem a ver com a transparência e o funcionamento do mercado interno”, que permitirá “eliminar obstáculos à transparência” e promoverá “a liberdade de estabelecimento” no mercado europeu.

Siza afasta “precedente”

Antes de cada governante se pronunciar, o ministro português disse que a presidência portuguesa está empenhada em “encontrar a melhor forma de permitir o progresso” numa negociação que se arrasta há vários anos e que esteve parada até a presidência finlandesa, há pouco mais de um ano, ter tentado dar um primeiro passo em frente. “Este dossier encontra-se em discussão desde 2016 e, apesar da convergência técnica sobre o texto, a proposta permaneceu — politicamente falando — bastante dividida”, disse.

Siza reconheceu que alguns Estados-membros “juntaram uma declaração escrita” por causa da questão da unanimidade e notou que “muitos Estados colocaram [uma questão] relativamente à base legal e [manifestaram] a vontade de que este impulso político não possa ser visto como um precedente relativamente à possibilidade de haver discussões sobre matéria que não seja por unanimidade”.

No entanto, entende ser a hora de dar seguimento à iniciativa no Coreper, uma instância preparatória do Conselho. Como “uma grande maioria de Estados-membros apoia e até mesmo solicita a realização de progressos neste dossier” e há um “apoio político forte”, Lisboa irá comunicar “ao Coreper no sentido de formalizar as decisões que se mostram necessárias neste processo”, disse.

“Mesmo os Estados-membros que objectaram a adopção da directiva com esta base legal neste Conselho [Competitividade] concordam com os objectivos, o propósito e mesmo o conteúdo desta proposta de directiva. Isto é importante porque salienta que não há divergência no seio da União relativamente à necessidade [de haver] maior transparência na forma como as empresas multinacionais divulgam e publicitam as suas práticas a todos os níveis, não apenas daqueles que já resultam de exigências ao nível de reporte, mas também ao nível fiscal”, afirmou o ministro português.

Sugerir correcção
Comentar