Conselho Nacional de Cultura: para que serve?

Se o CNC não reuniu perante a maior crise que o sector alguma vez atravessou, uma das razões óbvias está na sua configuração jurídica.

A passagem de um paradigma de governo a um de governança e de governação integrada possibilita a criação de valor público por compromissos atingidos por uma pluralidade de actores. É esse caminho de uma maior democratização da democracia, passando-se da mera representação a uma efectiva participação, que torna possíveis melhores políticas públicas. A Cultura, devido à sua pluralidade, é talvez o sector em que tal caminho é mais necessário.

A incrementação das parcerias e dos processos colaborativos para a realização da transição que acima se refere implica a criação de órgãos colegiais de interface entre os vários setores da sociedade civil e o Governo especificamente. Os vários Conselhos Nacionais são disso exemplo. Entre os diferentes Conselhos Nacionais que temos, contam-se o Conselho Nacional de Educação (CNE), o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI) e o Conselho Nacional de Cultura (CNC). Eles não demonstram, no entanto, o mesmo nível de desenvolvimento em face da transição para um paradigma de governança e tal deve ser objeto de reflexão.

A cultura tem passado um momento de profunda crise, função da presente pandemia que agravou e evidenciou fragilidades anteriores. Tal situação apela a um conhecimento amplo, plural e exaustivo do sector que permita uma reflexão com base na evidência capaz de sustentar eventuais estruturações internas, assim como novos enquadramentos profissionais e fiscais e novas respostas em termos de apoio e proteção social do Estado. Seria de esperar que o CNC tivesse reunido em plenário perante tal situação, mas isso não aconteceu. Aliás, parece que o CNC não reúne em plenário há anos! Tem sentido, então, a pergunta: para que serve o CNC?

Ora, se o CNC não reuniu perante a maior crise que o sector alguma vez atravessou, uma das razões óbvias está na sua configuração jurídica. Vale a pena, por conseguinte, uma comparação com os demais Conselhos Nacionais. Tal comparação evidencia a necessidade urgente de uma mudança legislativa e uma atualização do CNC para que possa cumprir o papel social e político que lhe incumbe.

Vejamos o que acontece com os demais Conselhos Nacionais.

Enquanto o CNC é um órgão consultivo do Governo, tal como o CNCTI, os demais Conselhos são órgãos referidos como independentes e o CNE tem mesmo autonomia administrativa. O CNC só reúne em função da tutela, enquanto o CNS reúne ordinariamente, pelo menos duas vezes por ano, e o CNE tem um(a) presidente eleito(a) pela Assembleia da República e reúne em plenário trimestralmente.

Enquanto órgão independente com autonomia para reunir sem ser a pedido da tutela, é possível promover a reflexão e o debate com vista à formulação de propostas e fazer acompanhamento da política, apreciando e emitindo pareceres e recomendações sobre questões relativas à concretização das políticas nacionais na área (como se refere para o CNE). Sem tal possibilidade, o CNC é uma instituição vazia, refém da tutela que sentirá porventura relutância em solicitar a sua reunião pelas diversas ilações que daí poderão ser retiradas.

Assim, parece-nos necessária uma mudança urgente do estatuto do CNC para que o setor tenha um espaço agregador de efetiva reflexão e debate que ultrapasse eventuais desejos de protagonismo fracturantes, sempre compreensíveis, mas inibidores de uma política para o setor ativa, e comprometida com o consenso alargado possível. Só um CNC independente e autónomo, com a obrigação de reuniões periódicas, alargado à participação efetiva da pluralidade dos sectores da cultura e de agentes ativos da sociedade pode contribuir para melhores políticas da cultura. Só um CNC independente e autónomo pode promover efectiva reflexão e debate sobre o setor, assegurar o aconselhamento da tutela, apoiar a formulação e acompanhamento da política, apreciar e emitir pareceres e recomendações sem ser a pedido, de forma a fomentar a articulação transversal e interministerial das políticas da área. Estamos, assim, a solicitar a mudança legislativa necessária para que o setor da cultura tenha de facto, um Conselho Nacional de Cultura!

Paulo Castro Seixas pela Equipa Mapeamento da Cultura;
Alexandre Belo Morais pela Convergência Pela Cultura

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