Bilhetes no voo humanitário para o Brasil chegaram a ser vendidos por 1350 euros

O voo organizado por razões humanitárias entre Lisboa e São Paulo é só para passageiros da TAP. O avião vai cheio com passagens que chegaram a ser vendidas na Internet por mais de 1350 euros. Em terra ficam algumas pessoas com bilhetes da TAP de voos antes cancelados que não conseguiram garantir um lugar.

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Jhuliene Souza seguiu todas as instruções indicadas na página da TAP e não vai conseguir embarcar Ricardo Lopes

O bilhete de um voo operado pela TAP para responder à urgência em viajar “por razões humanitárias”, tal como anunciado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, estava a ser vendido pelo valor de 837 euros no início do dia de ontem. Horas depois, os “últimos lugares” estavam a ser disponibilizados por 1353,90 euros.

“Foram subindo os preços, os últimos lugares foram vendidos e a nós, que tentámos remarcar um voo da TAP já comprado para viajar nesse dia, foi-nos dito que já não havia disponibilidade”, diz Jhuliene Souza que passou o dia de segunda-feira a telefonar para a TAP, sem ser atendida, e com os olhos colados à página da companhia aérea na Internet.

Acompanhou a subida dos preços para o único voo que até agora lhe tinha dado esperança de regressar ao Brasil enquanto vigora o actual estado de emergência com as ligações suspensas entre Portugal e o Brasil.

Mesmo que pudesse pagar este valor de mais de 1350 euros por pessoa, à hora a que Jhuliene Souza, através da sua agência de viagens, conseguiu enfim ser atendida por alguém da companhia, foi apenas para ficar a saber que o avião de 298 lugares já estava cheio.

Jhuliene Souza seguiu todas as etapas indicadas na página da TAP. Fez tudo certinho, como ela diz. Já antes tinha preenchido o formulário disponibilizado pela companhia na Internet para todos os passageiros impossibilitados de viajar nas datas inicialmente marcadas. E voltou a fazê-lo. Recebeu um email na segunda-feira de manhã a informar que o voo tinha disponibilidade. Parecia simples. Bastava contactar a TAP.

“Foi um stress muito grande, passámos o dia todo de segunda-feira a tentar ligar. Foi criada uma grande expectativa e, no final, venderam as passagens a outras pessoas por esses preços exorbitantes”, diz. “Em vez de remarcarem para essa data o nosso bilhete, como tínhamos deixado claro no preenchimento do formulário, arranjaram forma de vender caro a outras pessoas as vagas que pensávamos tinham sido abertas para nós.”

Como ela, pelo menos 520 cidadãos das duas nacionalidades (os que estão em Portugal e querem regressar ao Brasil ou aqueles que estão no Brasil e planearam um regresso definitivo a Portugal) viram os seus voos serem várias vezes remarcados desde o fecho das fronteiras.

Estes 520 correspondem a um universo aproximado e calculado a partir de duas listas com os nomes de quem está à espera de viajar — no Brasil essa lista foi criada para uma petição e, em Portugal, pela Associação Brasileira em Portugal.

O voo anunciado realiza-se porque os dois governos autorizaram o levantamento da suspensão decretadas em 29 de Janeiro apenas para 26 e 27 de Fevereiro – dias em que o Airbus 330 da TAP, com 298 lugares, viaja para o Brasil e de volta a Portugal.

“É um voo especial para o qual os passageiros têm de ser portadores de bilhete válido”, explicou fonte oficial da TAP. E para se ter um bilhete válido, seria preciso comprá-lo agora, remarcar bilhetes válidos para outros voos da mesma rota (como fez Jhuliene) ou utilizar vouchers.

Questionada, a TAP não informa qual o número de pessoas que remarcaram o voo e quantas compraram nesta segunda-feira o bilhete aos preços que oscilaram entre os 837 euros e os 1353 euros.

Jhuliene compreende que Portugal feche as fronteiras para conter a disseminação da variante brasileira do vírus na origem da pandemia. O que não compreende é que as pessoas que só querem regressar ao seu país não o possam fazer. “Queremos sair, sermos livres de ir para o nosso país, e não entrar e trazer o vírus”, insiste.

Procedimentos distintos

Este impasse causa incerteza e angústia a muitas pessoas que já não têm condições para permanecer nos respectivos países. Mas enquanto os portugueses retidos no Brasil foram contactados pelas representações consulares e estas estabeleceram uma lista de acordo com a definição de critérios de urgência entregues à TAP, facilitando o processo, em Portugal, os brasileiros ou cidadãos a residir no Brasil candidatos a um lugar neste voo tiveram, eles próprios, que contactar a TAP.

Cláudia Soares esteve quatro horas seguidas — “Juro por Deus” — e conseguiu. Mas outras pessoas estiveram as mesmas horas a ver cair a chamada ao fim de longos minutos de espera. “Éramos colocados em espera e a chamada caía. Eram atendedores automáticos que passavam a chamada. Eu cheguei a ficar uma hora à espera que me atendessem numa única chamada. A linha caiu”, conta Jhuliene.

“Foi uma correria. Todo o mundo desesperado, todo o mundo ligando, e muitas pessoas nas mesmas circunstâncias compartilharam as suas histórias por WhatsApp”, acrescenta.

Pessoas como Alessandra Santos, que está em Portugal há um ano e que ficou desempregada, Sabrina Rezende, estudante de Engenharia Informática em Portugal há mais de dois anos que quer voltar a Belo Horizonte, a sua terra em Minas Gerais, ou ainda Luana Aires de 28 anos que veio para estudar mas que tem um problema de saúde e tem vivido os últimos meses “num aperto financeiro”.

“Eu tenho dinheiro para me segurar até ao início de Março. Estou morando com pessoas de favor”, diz. “O dinheiro que tenho é só para comer.”

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