Ministério Público abre inquérito a ataques racistas e neonazis em sessão virtual de alunos do Camões

Sessão sobre racismo organizada pela associação de estudantes do Liceu Camões foi infiltrada por ataques racistas, que ocuparam o ecrã com imagens neonazis e insultos. Inquérito é conduzido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

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O Ministério Público abriu um inquérito aos ataques neonazis e racistas feitos num debate, a 18 de Fevereiro, via Zoom, organizado pela Associação de Estudantes do Liceu Camões. Segundo a Procuradoria-Geral da República disse ao PÚBLICO este inquérito é conduzido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. A Polícia Judiciária está a investigar e a direcção da escola já tinha feito uma queixa esta segunda-feira ao MP, juntando vários elementos do sucedido. Também um professor que assistia ao debate fez queixa ao MP.

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O Ministério Público abriu um inquérito aos ataques neonazis e racistas feitos num debate, a 18 de Fevereiro, via Zoom, organizado pela Associação de Estudantes do Liceu Camões. Segundo a Procuradoria-Geral da República disse ao PÚBLICO este inquérito é conduzido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. A Polícia Judiciária está a investigar e a direcção da escola já tinha feito uma queixa esta segunda-feira ao MP, juntando vários elementos do sucedido. Também um professor que assistia ao debate fez queixa ao MP.

Como o PÚBLICO noticiou esta segunda-feira, pouco depois do arranque da sessão A Influência da Escravatura no Sistema e o Racismo Institucional houve uma invasão de mais do que uma pessoa com ataques racistas e neonazis, imagens de suásticas e de pessoas negras violentadas a ocupar o ecrã e vozes em inglês a dizer “preto volta para África”, “preto cala-te” ou a imitar o som de macacos, ouve-se na gravação da sessão. Vozes sobrepostas gritavam “nigger”, “nigger” e “buga-buga”, “fucking niggers”. Falavam em inglês mas percebe-se que entendiam português.

Os ataques foram feitos sob a capa do anonimato — mesmo quem ligou a câmara disfarçou o rosto fazendo misturas gráficas na cara. As suásticas foram desenhadas sobre quem estava a falar, a vermelho, e sob rostos de pessoas negras; foram ainda mostradas imagens de agressões a negros. 

Uma das organizadoras contou ao PÚBLICO ter expulsado 13 pessoas. A associação de estudantes pediu para não revelar nenhum dos nomes dos alunos envolvidos, nem dos dos seus dirigentes. A sessão destinava-se sobretudo aos alunos, que são maioritariamente menores.

Não se sabe se os ataques foram feitos por algum aluno da escola ou de fora. Uma das pessoas que fez os ataques disse a determinada altura que conseguiu o link na plataforma Telegram. 

Uma notícia de Abril de 2020 no New York Times dá conta de que o Zoombombing, ou seja, ataques no Zoom, por participantes não convidados, se tinha tornado frequente, e o aumento do nível de discurso de ódio e assédio tinha mesmo chamado a atenção do FBI.

Esta foi a primeira vez que algo semelhante aconteceu no Camões, garantiu a direcção da escola. Em Outubro de 2020 várias escolas da área de Lisboa foram alvos de ataques racistas nas paredes, mas não o Camões. 

A estudante com quem o PÚBLICO falou e um dos alvos dos insultos comenta: “Naquele momento foi um bocado angustiante, senti-me mal por colocar os oradores naquela situação. Como associação podíamos ter feito melhor e controlado os acessos.” E critica: “As pessoas agora vão perceber melhor e dar mais atenção porque isto aconteceu”, mas há uma desvalorização dos episódios de racismo que as pessoas sofrem. “É preciso acontecer algo mais radical para dar atenção”, diz. 

Teme pela sua integridade física? “Não sei se estes factos foram só para fazer as pessoas sentirem-se diminuídas ou para fazer alguma coisa.” Certo é que “nunca tinha acontecido nada tão violento, nem presencialmente, nem online” nas sessões que organizaram, comenta. Nem sequer tinham recebido qualquer ameaça nas redes sociais. Mas sublinha: “Depois do que aconteceu fizemos uma publicação e alguém escreveu ‘Angola é nossa’.”

Além dos ataques aos murais de escolas, no ano passado, houve vários ataques racistas: em Agosto, dez pessoas, incluindo as deputadas Joacine Katar Moreira e Beatriz Gomes Dias, receberam uma ameaça por email a intimá-las a abandonar o “território nacional” em 48 horas e a rescindir “as suas funções políticas”. Dias antes, um grupo deslocou-se à sede do SOS Racismo numa parada Ku Klux Kan.

Já em Junho, vários locais na Área Metropolitana de Lisboa foram alvo de ataques com mensagens racistas e xenófobas e ameaças — como o SOS Racismo, o Conselho Português para os Refugiados ("A Europa aos europeus” e “morte aos refugiados") ou o mural de homenagem ao anti-fascista José Carvalho, assassinado por skinheads (com “guerra aos inimigos da minha pátria")