Do outro lado do ecrã: as pessoas, as emoções e a educação

Um início de aula personalizado, com um cumprimento nominal de cada estudante, olhos nos olhos pela camara utilizada, ou o ouvir a voz de cada estudante, permite uma identificação clara de que cada um é importante.

Estamos numa fase de reinvenção permanente dos processos de educação com recurso às tecnologias por via da pandemia por covid-19. O desafio da interação pedagógica entre seres humanos perante uma obrigatoriedade de distanciamento físico, leva a questionar de que forma se podem transpor para as novas experiências pedagógicas, as pedras basilares do processo ensino-aprendizagem com pessoas: as emoções.

Como professor da área da Saúde e em particular a Enfermagem, que exige o desenvolvimento de competências relacionais e de comunicação profundas, tenho vivenciado a adaptação ao ensino à distância, tanto nos professores como nos estudantes. Contudo, a ciência de Enfermagem, no que se refere ao cuidado de enfermagem e à interação interpessoal intencionalmente planeada para surtir um efeito promotor de firmeza na pessoa ciente dos cuidados, tem na sua própria natureza de reinventar por isso os processos de comunicação.

No caso, a relação professor-estudante exige a mobilização de estratégias entre um professor que também é enfermeiro e estudantes que serão futuros enfermeiros. Cria-se aqui um ecossistema relacional que demanda mobilizar os conhecimentos da Disciplina de Enfermagem para a relação pedagógica com os estudantes.

São várias as evidências que enformam a relação entre o status emocional do emissor e do recetor para a adesão aos processos de mudança positiva, seja na saúde seja na educação. Sendo as emoções reações a vivências situacionais que se manifestam fisicamente, depois de uma interpretação individual de significados daquela situação, é possível identificar por isso estratégias para provocar situações emocionalmente potenciadoras da aprendizagem, mesmo à distância.

Ao contrário de Edgar Morin que nos remete para uma sociedade paradoxalmente mais afastada emocionalmente, apesar de mais unida tecnológica e digitalmente, as teorias de Enfermagem podem ajudar a compreender a possibilidade de contrariar este pressuposto. Por exemplo, Marta Rogers, considerando o ser humano unitário, remete-nos para uma capacidade de abstração, visualização, linguagem e pensamentos, sensação e criação das pessoas, a partir da sua continua relação com o ambiente. Podem perguntar: mas esta teoria não se refere aos cuidados de enfermagem? Sim, é verdade. Mas quando o Professor Enfermeiro mobiliza os conhecimentos das Ciências de Enfermagem e Educação consegue entender a possibilidade de manipular os ambientes digitais tornando-os promotores de uma abstração da vivência negativa do ensino à distância e potenciando a construção de filtros positivos nos estudantes, a partir de experiencias emocionalmente positivas.

Um início de aula personalizado, com um cumprimento nominal de cada estudante, olhos nos olhos pela camara utilizada, ou o ouvir a voz de cada estudante, permite uma identificação clara de que cada um é importante.

O recurso a estratégias pedagógicas interativas, como análise de filmes, simulação de casos por via digital, contacto com peritos online, organização de seminários abertos ao exterior, podem potenciar emoções positivas promovidas pelo sentido de importância e desafio. O diálogo permanente com os estudantes ao longo da aula com expressões dirigidas do tipo “estou a ser percetível?”, “Estou a conseguir permitir que me acompanhem?”, “Estou orgulhoso da vossa adaptação a esta aula!” ou fazer um balanço final na aula “Como correu hoje?” “Que sugestões dão para as próximas aulas correrem ainda melhor?” são técnicas de comunicação intencionalmente promotoras de emoções positivas.

A vivência frequente de emoções positivas, assim como a mobilização paralela de crenças favoráveis ao ensino à distância e de autoeficácia, mantendo os valores essenciais da relação humana, podem potenciar a construção de sentimentos positivos que moldam processos de aprendizagem prósperos e igualmente potenciadores de conhecimentos e competências, tal como no ensino presencial.

Na verdade, na educação e na saúde, seja presencialmente ou à distância, tudo corre melhor quando o foco é nas pessoas e os processos são consequência desse foco.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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