Mais futuro, com mais ciência e mais economia?

Neste contexto, a ação política nos últimos anos tem dado especial relevância a posicionar a “Sociedade do Conhecimento” como foco primordial da análise, procurando conciliar o que julgamos ser os méritos das posições utilitarista e cultural.

Será possível conceptualizar e implementar um esforço coletivo para garantir um futuro em estreita articulação entre o reforço continuado do investimento na ciência e a exigência do investimento, também continuado e sistemático, no desenvolvimento social e económico? Podem os dois processos “coabitar” e ser considerados em sintonia, no sentido de reforçar agendas conjuntas, mobilizadoras e articuladas para garantir mais futuro, com mais ciência e mais economia?

Esta questão é hoje particularmente relevante em Portugal e na Europa face ao contexto que vivemos e à crise internacional emergente, associada à pandemia de COVID-19. Se é verdade que a incerteza e o desconhecimento sobre o futuro inundaram as nossas rotinas diárias, não será menos verdade admitir que, de forma também inédita em Portugal em tempos de crise, presenciamos um momento extraordinário de confiança dos jovens e das suas famílias na Ciência e no Conhecimento, na formação superior e nas suas instituições.

O debate sobre o papel do Conhecimento na sociedade foi, e continua a ser, muitas vezes polarizado entre as perspetivas utilitarista e cultural, designadamente entre um discurso que valoriza a relevância económica da Ciência, questionando a cada passo a utilidade das atividades científicas para responder às necessidades das pessoas e do País, em oposição a uma perspetiva que salienta o papel da Ciência como elemento cultural, realçando os valores de independência e isenção.

É minha convicção que a polarização deste debate é cada vez mais estéril, especialmente quando essa dicotomia se enquadra na polémica mais vasta que opõe perspetivas neoliberais às que realçam os valores da equidade e da igualdade, assim como da promoção do mérito. Neste contexto, a ação política nos últimos anos tem dado especial relevância a posicionar a “Sociedade do Conhecimento” como foco primordial da análise, procurando conciliar o que julgamos ser os méritos das posições utilitarista e cultural.

Hoje já sabemos que temos Ciência e que a produção científica nos permite acumular conhecimentos suficientes, possibilitando exportar produtos e serviços com mais valor económico, assim como tratarmos doentes nos hospitais e prevenir, tratar e reabilitar doenças com base na ciência que aprendemos e naquela que nós mesmos produzimos. Sabemos também que, por outro lado, as atividades económicas e sociais de maior valor acrescentado levantam novas questões científicas e estimulam novas fronteiras do conhecimento. Precisamos, portanto, de continuar a evoluir no reforço de agendas colaborativas com mais ciência e mais economia, para garantir um futuro sustentável às próximas gerações.

A complexidade deste desafio exige atividades e instituições diversificadas para que se pense a política científica de forma inovadora e agregadora, explorando os desafios e as oportunidades que emergem em estreita articulação com a sociedade.

PÚBLICO -
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Entendamos a realidade dos factos e da dinâmica criada em Portugal nos últimos anos:

  • a taxa de graduados com ensino superior na população residente entre os 30 e os 34 anos atinge 43% no 4º trimestre de 2020, superando pela primeira vez a meta europeia de 40%, com o número total de estudantes a aumentar desde 2015 e a atingir cerca de 400 mil estudantes em 2020/21;
  • o número de investigadores na população ativa cresce para um máximo também histórico de cerca de 10 investigadores por mil ativos em 2019, 38% dos quais nas empresas;
  • a despesa total em I&D em Portugal atingiu um novo máximo histórico de cerca três mil milhões de euros em 2019, representando 1,41% do PIB e crescendo mais de 34% desde 2015, com a previsão da despesa em I&D para 2020 a atingir 1,6% do PIB.
  • o crescimento da despesa em I&D é particularmente expressivo no sector das empresas, crescendo mais de 50% desde 2015 e passando a representar 53% da despesa total em I&D.
  • a execução da Fundação para a Ciência e a Tecnologia aumenta em cerca de 40% desde 2015, com dois anos consecutivos a superar 510 milhões de euros em simultâneo com uma evolução clara na estrutura de financiamento da ciência
  • Portugal passou a integrar em 2020 o grupo dos países “fortemente inovadores”, de acordo com o European Innovation Scoreboard, em estreita sintonia com o reforço da capacidade de inovação das nossas PME.
  • Portugal aumenta consideravelmente a participação nos Programas Europeus de investigação de base competitiva (designadamente no programa Horizonte 2020), com cerca de 180 milhões de euros atraídos anualmente nos últimos três anos, cerca de 60% pelos sistemas científico e académico e 40% pelas empresas;

Por outras palavras, ao mesmo tempo que a democratização do acesso ao ensino superior tem sido concretizada, designadamente com o alargamento da oferta de formações curtas de âmbito politécnico e a diversificação e especialização da oferta educativa, a democratização do acesso ao conhecimento, à inovação e à investigação pelas empresas tem sido efetivamente conseguida, onde as PME têm cada vez mais expressão no investimento em I&D, com mais de quatro mil empresas a registar despesas privadas de I&D.

É, assim, importante enquadrar os próximos anos em termos da exigência crescente de melhor articular políticas e estratégias para a ciência, para a coesão e para a competitividade com um processo efetivo de convergência europeia até 2030, designadamente em termos da ação climática e oportunidades associadas à digitalização da sociedade e economia.

Este contexto é particularmente relevante quando se perspetiva a fixação das grandes opções financeiras para a Europa para 2021-27, incluindo o arranque do plano de recuperação e resiliência – PRR (i.e., a Próxima Geração da UE), a preparação dos fundos estruturais para Portugal (i.e., PT 2030), assim como do novo quadro europeu de investigação e inovação (i.e., o Programa “Horizonte Europa”), do futuro do Programa ERASMUS e do futuro programa europeu para o Espaço, entre outros. Em particular a complementaridade e especificidade dos vários mecanismos.

A Presidência Portuguesa da União Europeia introduziu três questões principais consideradas cruciais na área da investigação e inovação.

Em primeiro lugar, promover a relação entre ciência e a criação de emprego qualificado é fundamental para fomentar a recuperação económica e a resiliência, exigindo que todas as regiões europeias se tornem centrais a este debate. A ciência e o conhecimento tecnológico criam mercados e, em conjunto, temos todos de estar mais conscientes do comportamento não linear da investigação e da inovação para criar mais e melhores empregos.

Em segundo lugar, fomentar a ciência fundamental, “aberta” e colaborativa é absolutamente crítico para promover novas fronteiras do conhecimento e superar todos os tipos de desafios que emergem. Exemplos claros incluem a investigação em cancro, a investigação sobre a alteração genética de alimentos, ou a investigação sobre a física do universo, sobre materiais avançados, nano-ciências ou física quântica, assim como as dinâmicas socioculturais em que estamos envolvidos, entre outras disciplinas.

Por último, mas não menos importante, é absolutamente necessário fomentar as carreiras de investigação e aumentar a profissionalização da investigação nos sectores público e privado. Desta forma, a experiência Portuguesa dos últimos anos deve ser usada para promover o debate político na Europa sobre a geração e valorização no conhecimento, incluindo carreiras de investigação em empresas, juntamente com o aumento do investimento público e privado em I&D.

Em conclusão, é tempo para aprender mais, promovendo agendas conjuntas, mobilizadoras e articuladas com mais ciência e mais economia, valorizando a especificidade do plano de recuperação e resiliência.

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