Os livros pertencem às livrarias

O que acontece aos alfarrabistas e livrarias tradicionais do Chiado, de Alfama, do Rato, os de Almada, Portimão, Bragança, Braga, Faro, Portalegre, Estremoz?

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Nuno Ferreira Santos

O que é literatura? O que é mercado? O que é um supermercado, até? Se ler é uma actividade tão trivial que deverá ser posta ao lado das latas de atum estudantis? Sim, é tão vital ao espírito quanto comer ao corpo. Reduzir a literatura à estante de supermercado é torná-la supérflua e de consumo rápido. Se um supermercado, especializado em trocas rápidas e eficazes de produtos sobre os quais, sejamos honestos, não há muita gente quem pense sobre, monopoliza o mercado literário num período de tamanha fragilidade para pequenos negócios em geral (ainda mais para as livrarias tradicionais, já em crise antes da pandemia), o que será de um sector já tão frágil neste país: a Cultura? 

As questões, se calhar irrelevantes, às quais a resposta parece não passar, nem por um segundo, à cabeça de quem decidiu reduzir o comércio literário a supermercados, são redutíveis também, por sua vez, a quem lê. Literatura às livrarias, digo eu, como dizem outros muitos, pois ler é tão essencial a uma porção relevante da população, quanto, porventura, vinho, cerveja ou tabaco.  

Deveria, porém, ser o supermercado o centro da mercadoria cultural deste país? Lá o leitor vai açambarcar mais um romance de adolescentes acerca de vampiros? Ou irá consumir, compulsivamente, mais uma peça literária acerca da Segunda Guerra? E a restante? Aquela que não pertence ao núcleo central da literatura comercial? Essa, claro, estará dependente de um grupo de editoras ou meios de entrega que monopolizam a venda de livros, sufocando e extinguindo a já raríssima livraria. O que acontece aos alfarrabistas e livrarias tradicionais do Chiado, de Alfama, do Rato, os de Almada, Portimão, Bragança, Braga, Faro, Portalegre, Estremoz? Irão também lucrar com as vendas das grandes superfícies comerciais, onde, todos sabemos, vamos para comprar livros

Se já não houvesse, como há, quem julgue o problema português cultural antes de económico, talvez fizesse sentido, mas torcer o pescoço a uma indústria tão pobre neste país decerto irá avançar-nos, certamente faremos da leitura uma actividade valorizada pelos mais novos, assim como pelos mais velhos. Assim, pelo ano 2525, se a humanidade sobreviver, Portugal perdurará como a capital da cultura desnaturada, com uma Lisboa e Porto, motivo de inveja mundial em redor da sua história e sem ninguém que a conte.  

Não há mercado suficientemente hiper ou super para suportar o peso de toda a literatura que merece o seu lugar nas bancas das livrarias, abertas, de um modo ou outro. Se já em vias de extinção; se, quem pusesse lá o pé há ano e meio, seria um em poucos a visitar o espaço, não é segura a livraria, nem em casa estaremos seguros. Não estaremos seguros contra o vírus, nem seguros contra a ignorância.  

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