“É preciso perceber porque é que os jovens não vão para as pescas”

Melhorar o rendimento dos pescadores, apostar na formação e melhorar as condições de segurança são algumas das propostas para reestruturar o sector das pescas. O novo fundo europeu para a pesca 2021-2027 terá seis mil milhões de euros.

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João Silva

Em Portugal existiam 14.617 pescadores registados em 2019. Em 2018 eram 16.164 e em 2000 eram 25.021. Em 2019 estavam licenciadas 3902 embarcações, menos 42 do que em 2018. A média de idades dos pescadores portugueses está acima dos 50 anos. Os números demonstram a queda do sector das pescas em Portugal, que está cada vez mais envelhecido e tem cada vez menos gente. A tendência não é apenas nacional - é europeia.

“É preciso perceber porque é que os jovens não vão para as pescas. Porque é que acontece agora o que nunca aconteceu que são os pais e avós pescadores não quererem que filhos e netos vão para as pescas”, diz ao PÚBLICO Manuel Pizarro, deputado socialista no Parlamento Europeu, frisando que a reestruturação do sector é uma “preocupação europeia”.

Para essa reestruturação, é necessário olhar para os “problemas” existentes. Um deles prende-se com as condições de segurança das embarcações, isto porque, sendo certo que a pesca será sempre uma “actividade dura”, é “possível adoptar regras” que garantam que as “embarcações tenham o mínimo em matéria de segurança”.

O eurodeputado do PS defende ainda a criação de um quadro referencial europeu para a formação dos pescadores, com enfoque, sobretudo, na digitalização - “a pesca não pode ficar à margem do progresso tecnológico” - e na biodiversidade, porque os interesses dos pescadores “são compatíveis com os interesses ambientais”. São esses alguns dos “caminhos” para melhorar a remuneração dos pescadores. “Se nós não fizermos essas duas coisas, melhorar o conforto e a segurança a bordo e melhorar a formação e as condições laborais não podemos aspirar a que os jovens se queiram dedicar a uma actividade como esta”.

Para João Ferreira, do PCP, o cerne da questão está no rendimento dos profissionais da pesca. Um rendimento que, além de baixo, é instável. “Temos de assegurar uma estabilidade de rendimentos. Isto é uma questão absolutamente crucial. É um nó que nós temos hoje no sector e se não desatarmos esse nó dificilmente teremos uma política de pescas sustentável e que cumpra os seus objectivos”, afirma, destacando que o primeiro objectivo de uma política de pescas é “assegurar o abastecimento público de pescado” e não uma “política de conservação de recursos”.

O deputado comunista também diz ser necessário “melhorar os preços da primeira venda”, isto é, o preço pago ao pescador, que é “normalmente muito baixo”, em contraste com o valor pago pelo consumidor. Tudo isto deve ser feito através acção do Estado. “Esse é um daqueles sectores onde se exige, pelas próprias características do sector, pela sua irregularidade, políticas públicas sólidas”.

Contudo, a intervenção dos governos nacionais está limitada, uma vez que a acção sobre os recursos vivos marinhos é competência exclusiva da União Europeia. Este é um dos “problemas” para João Ferreira: a existência de uma “política excessivamente centralizada, onde a partir de Bruxelas se definem orientações e directrizes para realidades muitíssimo díspares”. “Os Estados não riscam. Temos de nos interrogar sobre este modelo que alienou a soberania dos Estados sobre os seus recursos”.

Para afastar a política centralizada a partir de Bruxelas, a deputada Cláudia Monteiro de Aguiar, eleita pelo PSD, defende a realização de uma “escuta activa”: “Nós, enquanto legisladores, temos sempre de ouvir muito bem o sector”. Uma relação próxima que também é “fundamental” para “conciliar a protecção marinha” com os interesses dos pescadores. Uma vez que o “sector da pesca é olhado muitas vezes como predador”, é “preciso equilíbrio” para desenhar a estratégia futura para as pescas. “Verificamos muitas vezes, à esquerda ou à direita, posições extremadas que querem proibir ou sancionar e acho que de ponto vista de futuro e do que queremos para os mares necessitamos de equilíbrio”.

O novo fundo das pescas

A 4 de Dezembro, foi anunciado um acordo informal entre o Conselho e o Parlamento Europeu sobre o novo fundo europeu dos assuntos marítimos e das pescas 2021-2027. O fundo terá um valor de seis mil milhões de euros e ganhará um ‘A’ na designação - FEAMPA -, fruto do acrescento da aquicultura.

Para Cláudia Monteiro de Aguiar, o fundo está “bem direccionado” para tornar o sector atractivo. “Se queremos captar novas gerações para a actividade, eu penso que esse FEAMPA é positivo porque acaba por ajudar de certa forma os pescadores mais novos na aquisição de um primeiro barco”, afirma, acrescentando ainda a importância de utilizar os fundos europeus – e não só os do FEAMPA – para a formação dos pescadores.

Já Manuel Pizarro realça que o fundo financia a remodelação das embarcações e a formação dos pescadores, mas não permite a substituição de velhos barcos por novos – “uma velha aspiração da pesca artesanal”. Para o socialista, o fundo é uma oportunidade para uma aposta “muito mais consistente” na aquacultura. “A aquacultura pode dar origem a produtores de qualidade e pode ser um meio de desenvolvimento das comunidades piscatórias”.

João Ferreira não é tão optimista, até porque o valor alocado ao FEAMPA “não é muito elevado”. A não inclusão da renovação da frota no fundo é um “ponto crucial”, que fará com que os “problemas de segurança” continuem. “Há mais de 20 anos que a União Europeia fechou qualquer possibilidade de apoios à renovação da frota. Portanto, vamos continuar a ter problemas seríssimos”.

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