Oxalá estivesses aqui para te tocar

Relações de proximidade podem gerar cansaço. Relações à distância, mediadas pela tecnologia, idealização. Ninguém disse que era fácil, principalmente no confinamento.

Há dias o El País noticiava, citando um estudo, que daqui a 20 anos, um em cada cinco jovens fará sexo com um robô de forma habitual, ou que será possível acariciar o nosso par estando a centenas de quilómetros de distância e outras proezas semelhantes, tudo graças à inteligência artificial, à robótica ou à tecnologia de activação da pele. Em resumo, conclui o estudo, fazer sexo com um robô será mais gratificante do que com qualquer ser humano. Claro que existe também quem pense que é tudo um exagero e que os humanos são insubstituíveis.

Um dos campos onde haverá maior progresso será o do sexo remoto. Já existem aparelhos que tentam replicar beijos e outras carícias, mas haverá uma panóplia de possibilidades entre dispositivos sexuais, realidade virtual e outros mecanismos. ​A linha entre sexo real e virtual parece estar condenada a desaparecer, com a tecnologia a descobrir padrões no desejo, para nos ser servido prazer à medida, sem contacto físico. Ideal para casais separados ou para quem, por razões várias, não tem par. E ideal em pandemias e situações de confinamento.

O imaginário do confinamento assenta numa família nuclear ou alargada, em que os afectos, e a própria vida sexual, podem ser activados no domicílio. Para esses, o problema parece ser como gerir relações de proximidade permanentes, onde a comunicação deficiente, condicionantes socioeconómicas, a ausência de vínculos ou o receio da intimidade podem expor a degradação relacional. Abundam os relatos de quem, em intensa convivência com familiares, abriu feridas que não conhecia, ou vislumbrou, nos que lhe são próximos, uns desconhecidos.

Mas para uma fatia considerável da população, entre eles os jovens adultos, o dilema neste momento é o distanciamento. Se já era em grande medida no espaço virtual que muitas ligações eram fomentadas, agora esse cenário intensificou-se. O envio de vídeos e fotografias erotizantes deve ter aumentado, mas curiosamente nas aplicações de encontros, onde a promessa de encontro sexual era prioridade, parece existir agora mais apetência para criação de intimidade, antes de se partir para o contacto presencial. Uma coisa é certa: a procura de parceiro corresponde a expectativas diversas – da aventura ao desejo de acasalar – mas ainda não é a tecnologia que vai trazer diversidade social. 

Antes, os amantes conheciam-se no trabalho, no ginásio, no círculo de amizades ou nas saídas nocturnas, mas no digital permanece-se em círculos pré-definidos também, com pessoas das mesmas apetências e sociabilidades. A singularidade do digital é que torna possível a ausência física dos envolvidos e o anonimato do contacto. Liberta a imaginação, mas renuncia-se a formas de sensualidade. Não existe o contacto das mãos, da pele, dos lábios, do olhar. Permanece-se na abstracção. Depende da manutenção de vínculos regulares, como comunicar todos os dias, mas não há lugar para o fortalecer do que existe em comum.

Tanto o amor próximo como à distância têm protectores. Há quem sustente que demasiada proximidade pode contribuir para o perturbar da relação, numa alusão aos rituais repetitivos do quotidiano. Mas um dos riscos da distância é criar-se uma imagem idealizada do outro. Quando se vive apenas com segmentos da sua vida, só lhe acedemos fragmentariamente, através das suas narrações. Os conflitos, por norma, estão ocultados. Um dia, quando se cumpre a aspiração de encontro dos amantes separados, vislumbram-se novas facetas, até aí desconhecidas. Podem ser geridas satisfatoriamente. Mas também pode acontecer que o “oxalá aqui estivesses para te tocar”, tantas vezes expresso, se transfigure num desejo de regresso ao tempo em que estavam os dois do outro lado do ecrã. Depois do confinamento se verá.

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