Israel compra vacinas para o regime de Assad em troca de libertação de israelita

Acordo mediado pela Rússia implicou compra, pelo Governo israelita, de vacinas Sputnik V para a Síria. O segredo era parte do negócio.

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Netanyahu num centro de vacinação em Israel ALEX KOLOMOISKY/EPA

A libertação de uma jovem israelita que passou para o lado sírio da fronteira nos Montes Golã foi conseguida através de negociações entre o Governo de Benjamin Netanyahu e o regime de Bashar al-Assad, mediado pela Rússia. Incluiu o regresso à Síria de dois pastores que estavam detidos em Israel, o cancelamento da pena de uma mulher druza, residente nos Montes Golã, e uma cláusula que estava escondida pela censura militar (esta censura é normal em questões militares em Israel).

Mas depois de começarem a surgir detalhes na imprensa estrangeira, os jornais israelitas receberam luz verde para a publicar: Israel comprometeu-se a comprar a Moscovo um grande número de doses da vacina contra a covid-19 para o regime sírio. Provavelmente, diz o Haaretz, centenas de milhares de vacinas. O diário de grande circulação Yediot Ahronot dizia que Israel vai gastar mais de um milhão de dólares com esta compra.

A Síria tinha negado a notícia, dizendo que esta queria apenas apresentar Israel como um país humanitário e melhorar a imagem do Estado hebraico. Do acordo fazia parte que esta cláusula se manteria secreta.

Também não interessava à Rússia, que está a vacinar ainda a sua própria população, que o acordo fosse conhecido. Nem a Netanyahu, já que como dizia Amos Harel no Haaretz, “a direita não está entusiasmada por Israel estar a gastar dinheiro a vacinar cidadãos de países árabes”. 

Não é claro o que a jovem israelita, que seria residente num colonato judaico religioso entre Jerusalém e Telavive, estava a fazer em território sírio – a imprensa diz que se apresentou como “nómada”, que não reconhece fronteiras ou linhas divisórias. Sabe-se que falava fluentemente árabe e que tentou entrar três vezes na Faixa de Gaza no mês passado.

Na Síria foi interrogada e depois de ter sido estabelecido que não era espia, o regime começou a fazer contactos, através da Rússia, para negociar o seu regresso. Há dois dias, chegou a Telavive num jacto privado vindo de Moscovo.

A Rússia tem sido um canal entre Israel e o regime de Assad, que goza de forte apoio russo (e que foi essencial para ganhar vantagem na guerra civil).

Um acordo mediado permitiu o regresso a Israel dos restos mortais de Zachary Baumel, desaparecido em acção numa batalha em 1982 durante a invasão do Líbano. Foi algo que provocou comoção no país, precisamente a seis dias as eleições de 2019

Mais tarde, mas também muito emotivo, foi o regresso de Naama Issachar depois de ter sido perdoada a uma condenação de sete anos e meio de prisão (por posse de 9,5 gramas de marijuana, enquanto fazia escala num aeroporto de Moscovo). Issachar foi libertada graças a um perdão do Presidente russo, Vladimir Putin, no final de Janeiro de 2020, a pouco mais de um mês das eleições em Israel.

O Estado hebraico vai ter, de novo, eleições a 23 de Março. “A jovem teve sorte de ter começado a sua aventura irresponsável durante uma campanha eleitoral”, comentava ainda o jornalista Amos Harel.

Uma outra ironia, sublinha a Al-Jazeera, é que Israel tem recusado dar vacinas aos quatro milhões de palestinianos que vivem nos territórios que ocupa, recusando ter, como potência ocupante, obrigação de o fazer. Para já prometeu 5000 doses para trabalhadores da área da saúde na Cisjordânia e mais 1000 para Gaza.

Na semana passada, a passagem de vacinas da Autoridade Palestiniana para Gaza começou por ser impedida por Israel, que depois permitiu que seguissem. Enquanto isso, políticos de direita pediram que Israel não permitisse a passagem das vacinas enquanto o Hamas, no poder, não libertasse dois israelitas nem devolvesse os corpos de soldados israelitas que estão na Faixa de Gaza há mais de seis anos. Há uma petição no Supremo para isso.

O acordo com a Síria pode ter efeito no preço que o Hamas poderá pedir, que será sempre mais alto, concluiu no Haaretz Amos Harel.

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