Rapper vs. Rei: Pablo Hasél e a liberdade de expressão

Os artistas, incluindo Hasél, têm de ser indubitavelmente livres de poder dizer tudo no âmbito da sua actividade artística.

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Reuters/STRINGER

Pablo Hasél, um rapper catalão, foi preso devido a letras e tweets alegadamente “incendiários”, “glorificadores de grupos terroristas” e “insultuosos para com a casa real e instituições do estado”. Mais de 200 artistas, incluindo Pedro Almodóvar e Javier Bardem, assinaram uma petição pedindo a libertação do rapper. E em Portugal também foi lançada uma petição com o mesmo objectivo. Para os signatários, está em causa a liberdade de expressão: a partir do momento em que prendem Hasél, as autoridades poderão vir por qualquer outra pessoa que critique abertamente a acção das instituições do Estado, até ser aniquilado qualquer resquício de dissentimento. Os protestos contra a prisão de Hasél multiplicaram-se ao longo desta semana nas ruas espanholas.

Este caso pode bem vir a tornar-se um exemplo concreto de como a expressão do pensamento dissidente ou subversivo influencia a delimitação legal da liberdade de expressão. O Ministério da Justiça espanhol prometeu fazer uma revisão dos crimes envolvendo questões de liberdade de expressão de forma a que “apenas actos que claramente criem um risco à ordem pública ou encorajem algum tipo de conduta violenta sejam punidos”. A coligação Unidas Podemos vai mais longe, exigindo que vários crimes, como o insulto à coroa ou às instituições do Estado, a ofensa a sentimentos religiosos e a glorificação do terrorismo, deixem de ser puníveis por lei.

Eu não sou jurista, mas penso que esta situação poderá motivar um debate estimulante e muito necessário sobre o que é a liberdade de expressão hoje em dia. Quem regula a liberdade de expressão (se é que esta deve ser regulada)? O que constitui “incitamento à violência” e o que o diferencia de uma opinião sem intenções de literalidade? J. Stuart Mill defendia que “até as opiniões perdem a sua imunidade quando são expressas em circunstâncias tais que convertem essa sua expressão em franca instigação a um acto danoso”. Uma coisa é expor nos jornais a opinião de que os comerciantes de trigo matam os pobres à fome, parafraseando Stuart Mill; outra muito diferente é gritar esta mesma opinião a uma multidão exaltada, reunida em frente do estabelecimento de um desses comerciantes. Contudo, estas distinções tendem a tornar-se menos óbvias nas redes sociais, pondo diversos obstáculos à regulação da liberdade de expressão e, sobretudo, à responsabilização individual. Para além de que o “livre mercado de ideias" online tornou-se muito mais do que um espaço para a troca de opiniões onde só a verdade, o conhecimento e a justiça podem triunfar. Há quem use a liberdade de expressão em nome da intolerância e há quem seja o rei guilhotinado e Robespierre ao mesmo tempo.

Acredito, porém, que os artistas, incluindo Hasél, têm de ser indubitavelmente livres de poder dizer tudo no âmbito da sua actividade artística. A arte não tem necessariamente de ser subversiva para ser arte, mas quando a arte deixa de poder ser subversiva, nós deixamos de ser livres. Não há personalidades intocáveis nem palavras, temas ou caricaturas proibidas. A preservação da liberdade artística não é tão necessária ao artista consensual dos prémios e da aclamação da crítica, tal como a liberdade de expressão não é necessária para que troquemos receitas de mousse de chocolate. Existe sobretudo para quem cria algo controverso, que pode chocar ou ofender, o que não é particularmente difícil. Existe para quando se discorda — e é possível discordar de tudo; até há quem não goste de mousse de chocolate...

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