Renault com prejuízo recorde de 8000 milhões. Há 15 mil despedimentos na calha

Vendas globais caíram 21,3% em 2020 e o contributo negativo dos resultados da Nissan agravam crise de resultados. Covid-19 e escassez de microchips são riscos deste ano.

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Luca de Meo avisa que o ano de 2021 vai ser difícil para a Renault Bernard Tissier/Reuters (arquivo)

Luca de Meo tomou conta do grupo Renault a 1 de Julho de 2020 e mal teve tempo para respirar. Os números divulgados esta sexta-feira pela Renault são muito negativos, com um prejuízo recorde de 8000 milhões de euros, e De Meo já lançou o alerta: “2021 vai ser difícil.”

Depois do vendaval que empurrou Carlos Ghosn, o seu antecessor, para a cadeia e pôs em xeque a aliança com a Nissan, chegou o impacto da pandemia de covid-19, com quebras históricas nas vendas.

Em 2020, as receitas do grupo Renault caíram 21,5%, para 43,5 mil milhões de euros. Para tal contribuiu a quebra nas vendas, de 21,3%, para 2,95 milhões de unidades.​ O maior contribuinte das perdas é o resultado de 2020 da Nissan. A marca nipónica, detida em 43% pela Renault, perdeu 4900 milhões de euros no ano passado.

Ainda que a posição de liquidez esteja segura (16.400 milhões em reserva), o grupo não pagará dividendos. Os resultados globais são piores do que a estimativa de analistas, que apontavam para perdas de 7800 milhões de euros. Face ao nível de incerteza, a equipa de gestão não publicou orientações de resultados para 2021.

O CEO do grupo, que também assumiu o mesmo posto na marca Renault a 1 de Janeiro, disse que a prioridade para este ano é “rentabilidade e geração de dinheiro”, tal como já tinha sido definido no plano estratégico. O plano chama-se “Renaulution” – e o corte nos custos fixos será mais ou menos uma revolução.

O grupo não precisa só de “curar as feridas” abertas no Japão, após a prisão de Carlos Ghosn (que fugiu do país e da prisão preventiva por suspeita de diversos crimes) e pacificar as relações de poder com os aliados Nissan e a Mitsubishi. Segundo as contas da equipa de De Meo, também terá de passar por um doloroso processo de emagrecimento, com fecho de fábricas e 14.600 despedimentos.

Os maiores riscos, disse De Meo na apresentação de resultados nesta sexta-feira, continuam a ser o impacto da pandemia e também a escassez de microchips. O pico desta crise de fornecimento, que afecta toda a indústria, deverá acontecer no segundo trimestre, diz a Renault, que estima um corte de produção de 100 mil veículos este ano, devido a esse problema, mas no pressuposto de que haverá ainda espaço para recuperar no segundo semestre de 2021.

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Clotilde Delbos, CFO da Renault Gonzalo Fuentes/Reuters (arquivo)

“Após uma primeira metade do ano sob o impacto da covid-19, o grupo inverteu a performance na segunda metade do ano”, sustentou De Meo. “O ano de 2021 vai ser difícil dada a incerteza em relação à crise sanitária, bem como as falhas de fornecimento de componentes electrónicos. Enfrentaremos estes desafios colectivamente, mantendo-nos neste andamento rumo à recuperação que iniciámos no Verão passado”, prometeu o gestor italiano, que começou a carreira na Renault e nos últimos 20 anos passou pela Toyota, pela Fiat e pela Volkswagen, antes deste regresso à marca francesa.

Clotilde Delbos, responsável pelas finanças do grupo, comentou: “Com a covid... todos os dias abre-se o jornal e não se sabe se [as fábricas] vão fechar ou abrir.”

Sendo o Estado francês um dos principais accionistas da Renault, a apresentação de resultados abriu de imediato o debate público sobre o futuro do grupo, que recebeu ajuda estatal para fazer face às dificuldades. Paris concedeu garantias públicas a um empréstimo de 5000 milhões de euros, em Junho de 2020. Na bolsa de Paris, esta manhã, as acções do grupo caíam 4,31% por volta das 11h40.

Num dos grandes jornais diários de França, o Le Monde, lembrava-se o editorial que já antevia as dores que vêm aí, e que fora publicado a 3 de Julho de 2020, dois dias depois de De Meo assumir o cargo do deposto Carlos Ghosn. Nesse texto, pedia-se um “acto de equilíbrio” para “encontrar meios de sobrevivência” e “ao mesmo tempo” dar “garantias ao Estado, seu primeiro accionista, para que o remédio não seja muito amargo para os trabalhadores”.

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Renault tem fábrica em Cacia (Aveiro) Adriano Miranda (Arquivo)
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Vista aérea sobre a fábrica da Renault no distrito de Aveiro DR/Renault

A Renault tem cerca de 180 mil trabalhadores no planeta, com cerca de 1000 funcionários numa fábrica em Portugal, em Cacia, no distrito de Aveiro. Esta unidade produz, em exclusivo para todo o grupo, cerca de meio milhão de unidades por ano da caixa de velocidades JT4, usada em modelos Renault como Clio, Megane e Captur, e no Duster e no Sandero, da Dacia. Essa caixa representará 70% da produção daquela unidade em 2021, onde foram investidos 100 milhões de euros, ao longo dos últimos anos, para instalar tal capacidade produtiva.

Face a rumores de que a fábrica poderia ser afectada pelo plano de corte de custos, um membro de uma Comissão Sindical da unidade de Cacia disse ao PÚBLICO que não há qualquer informação que aponte no sentido de despedimentos na fábrica portuguesa. “Pelo contrário, a mensagem tem sido a de valorizar a aposta feita na nossa fábrica, com um aumento da produção ainda este ano”, disse Manuel Chaves ao PÚBLICO.

Após um ano de quebra “sem precedentes" na Europa, com uma contracção de 23,7%, a venda de automóveis no principal mercado da Renault segue em queda. Segundo os últimos dados, em Janeiro de 2021, as vendas recuaram 24,5% em termos homólogos.

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