Explorar o tema da “experiência” no mercado de trabalho

Não me interpretem mal, a experiência é muito importante, mas não devia ser explorada. Especialmente quando alguns desses estágios são na realidade para preencher posições com grande responsabilidade, sem margem para erro e com muita carga horária.

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É uma situação frustrante para muitos jovens, cuja ansiedade e depressão começa a crescer cada vez mais por serem obrigados a colocar a sua vida independente em stand-by por falta de condições para tal. A entrada no mercado de trabalho é uma etapa difícil, a inexperiência surge como o grande entrave para os jovens que se lançam para o mundo dos adultos, ainda mais agora numa fase muito complicada para a humanidade, onde vemos o desemprego jovem a crescer cada vez mais.

Horas são investidas à procura de vagas, muitas delas com o famoso requisito de “três a cinco anos de experiência” que acabam com qualquer esperança de quem quer arranjar o seu primeiro emprego: como é possível começar a trabalhar com requisitos assim? A resposta normal: estágios. Mas não é assim tão simples...

Uma parte das empresas não dá as melhores condições de trabalho (salário, materiais, …) para os estagiários e estes vêem-se obrigados a aceitar essas mesmas condições, dado que, com a crescente taxa de desemprego jovem, está cada vez mais complicado arranjar um estágio. Queria deixar aqui alguma fonte para provar esta afirmação, mas como é óbvio estas condições acabam por ser ilegais, logo não estão documentadas, por isso falo por experiência própria e alheia.

Dado o desafio complicado de ingressar no mercado de trabalho, os jovens estão mais vulneráveis em aceitar quaisquer condições, mesmo precárias, para arranjar experiência e daí surgem as empresas que estão dispostas a fornecê-la por debaixo da mesa. Assim, a avareza empresarial tornou-se um hábito, algo normal, porque afinal “tem que se começar por algum lado”. 

Alguns têm a “sorte” de conseguir um valor simbólico pelo seu estágio, outros nem isso conseguem, apenas levam essa sobrevalorizada e inflacionada relíquia que chamamos de experiência. Não me interpretem mal, a experiência é muito importante, mas não devia ser explorada. Especialmente quando alguns desses estágios são na realidade para preencher posições com grande responsabilidade, sem margem para erro e com muita carga horária, deixando os estagiários numa situação de alta exigência com retorno miserável pela sua força de trabalho, num futuro muito incerto nessa empresa.

Todavia, não posso deixar a culpa inteiramente nas empresas, pois a situação destas não é a mais favorável. Portugal é um dos países com maior carga fiscal empresarial na Europa (e até do mundo), o que causa entraves na altura das condições de recrutamento. É verdade que não deixam de fazer actos ilegais, mas não têm condições para agir dentro da lei. Assim, a responsabilidade pela “avareza” fica repartida quer para as empresas que não se encontram em condições de contratar, quer para o próprio Governo que as colocou nesta posição.

É uma situação lamentável que existe da nossa sociedade, sendo a geração mais qualificada de sempre, é igualmente a mais prejudicada no sector do emprego. Este ponto seria atenuado se pelo menos nesses estágios fosse possível conseguir de facto a posição pretendida, mas são muitos os casos de empresas (quer pela avareza, quer por falta de condições para contratar) que sobrevivem à conta de estágios atrás de estágios, e quando um termina, existe outro jovem desesperado por experiência para preencher o lugar. O presente é obscuro, o futuro é incerto e a experiência não é um sustento para as gerações do amanhã. Já Júlio César dizia, “a experiência é professora de todas as coisas”; se calhar já temos experiência suficiente para perceber que esta situação é intolerável.

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