Capazes do melhor e do pior (parte 2)

Há uma capacidade produtiva parada e que podia ser aproveitada para produzir mais vacinas. Porque não fazer contratos e ceder uma porção das bactérias geneticamente alteradas a quem sabe o que fazer com estas?

Precisamos de mais vacinas. É algo que toda a gente tem presente, face ao atraso, mais que noticiado, do processo de vacinação. Torna-se mais preocupante quando vemos que países africanos tem números incipientes de administrações. Querem-se soluções e vem falar-se da quebra de patente e que as vacinas deveriam ser um bem público. A verdade é que é fácil falar sem saber como usar isso para resolver o que quer que seja. No entanto, não deixa de ser possível uma solução.

As duas principais tecnologias envolvidas nas vacinas para SARS-Cov-2 envolvem o Ácido Ribonucleico mensageiro (ARNm) transportado por pequenos invólucros lipídicos designados por lipossomas, e o Ácido Desoxirribonucleico (ADN), transportado por um outro vírus que não tem capacidade de se multiplicar e que pertence ao grupo dos Adenovírus. A ciência é complexa, mas pode tentar explicar-se de forma simples.

A tecnologia de ARNm começa com bactérias modificadas geneticamente, contendo um filamento extra de ADN designado por plasmídeo. Quando estas se multiplicam dentro de um reator de fermentação, estão a multiplicar este ADN do plasmídeo. Este filamento plasmídico codifica uma proteína do coronavírus. É retirado, purificado e aberto (originalmente está na forma cíclica). Os fragmentos de ADN são então colocados num outro reator com enzimas e moléculas que permitem construir um ARNm complementar, ou seja, usando o ADN proveniente das bactérias como molde. Estes filamentos de ARNm são purificados e introduzidos nos tais microcontentores chamados lipossomas, que vão permitir a sua chegada às células humanas e a produção da proteína contra a qual o nosso sistema imunitário passa a saber defender-se.

A tecnologia das vacinas envolvendo adenovírus também começa com bactérias modificadas geneticamente. Estas possuem um plasmídeo diferente, que corresponde ao gene da proteína do coronavírus, juntamente com vários genes que definem a estrutura do adenovírus. Faltam um ou dois genes originais, de forma a que o vírus produzido não tenha a capacidade de se multiplicar. Estas bactérias multiplicam-se, com proliferação do ADN que interessa para a vacina. Estes fragmentos de ADN são purificados e introduzidos numa estrutura inicial equivalente ao adenovírus sem qualquer ADN ou material do tipo. Obtém-se novos vírus, que não se multiplicam, mas podem infetar células. O aumento da escala de produção vem com a colocação destes novos vírus noutros reatores com células humanas (que também estão modificadas geneticamente) e compensam a incapacidade do vírus se multiplicar. Estas células multiplicam o vírus, quando as células do indivíduo recetor de uma vacina não serão capazes de o fazer. Assim, o vírus, em contacto com as nossas células, introduz o seu ADN, que originará a tal proteína que, novamente, vai levar a que o nosso sistema imunitário aprenda a defender-se. Para relembrar, este adenovírus não se consegue multiplicar dentro de nós.

É confuso, apesar do esforço em se explicar de forma simples. Quebrar a patente não resolve nada, por vários motivos. A tecnologia é conhecida e não é por isso que temos todas as indústrias farmacêuticas do mundo a fazer a vacina. Logo, a patente não traz nada de mágico que vá permitir um aumento de produção. A dificuldade e morosidade vem da preparação de bactérias modificadas geneticamente, com introdução (de uma forma ou outra) do gene da proteína que induz imunidade. Tal aplica-se para um plasmídeo que detenha a informação para a biossíntese da tal “spike protein”, como para um filamento de ADN que permita a produção de um adenovírus sem capacidade de se multiplicar e que induza as células humanas à produção da mesma “espícula” para ativar a imunidade. Há aqui, no entanto, um fator comum. Este fator é a bactéria com modificação genética.

O início da pandemia levou a que se noticiasse que mais de 200 empresas e consórcios estavam a desenvolver vacinas. A maior parte das vacinas seria com uma destas tecnologias. Estas empresas, ao abraçarem tal projeto, depreende-se que teriam uma linha de produção montada, assim como um controlo de qualidade definido. Levanta-se novamente a pergunta: “qual a dificuldade em estabelecer parcerias entre empresas para aumentar a produção de vacinas?” Coloca-se novamente em causa a capacidade de gestão e negociação. Estas empresas, que ainda não tem vacina mas tem tecnologia e capacidade produtiva para tal, podem ajudar. Uma opção seria por contratualização, com desistência da sua investigação, definição de confidencialidade e partilha de rendimento. O processo seria mais rápido, porque só teriam que aceder às bactérias modificadas geneticamente que estão continuamente a ser multiplicadas nos reatores de fermentação das empresas com vacinas já aprovadas. Estas bactérias podem ser multiplicadas nos reatores de fermentação destas outras empresas, com processo já montado. Não chega falar de partilha de produção com multinacionais, apenas pela notícia, quando a parceria apenas se faz no enchimento final dos frascos. Há uma capacidade produtiva parada e que podia ser aproveitada. Porque não fazer contratos e ceder uma porção das bactérias geneticamente alteradas a quem sabe o que fazer com estas?

Como nota final, Portugal podia ajudar, face a assumir um lugar privilegiado na União Europeia durante os próximos tempos. Convém pensar em promover este tipo de ação em termos negociais, com gente que saiba o que diz e o que faz. Precisamos de mais vacinas e depressa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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