Tempos de guerra…

Antes da pandemia estávamos num ponto de viragem das escolas e do ensino, a fazermos um esforço enorme para trazermos a escola do futuro até ao presente, fazendo com que o século XIX não engolisse também o século XXI.

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Duarte Drago

Com o confinamento e as escolas fechadas lá estamos todos enfiados dentro de casa, tal e qual um quartel-general em tempo de guerra. Casas com emoções ao rubro, desafios constantes, situações inusitadas, níveis avançados de cansaço, sinais de burnout.

O mais importante mesmo são os centros de operações e as salas de comunicações, por vezes em código, outras com falta de sinal. Em algumas circunstâncias estes centros de operações têm de ser transferidos para sítios inesperados e até camuflados, pois o sinal é difícil de apanhar. Tal como em qualquer outra zona de guerra, os operacionais reinventam-se para conseguirem cumprir as expectativas e, por vezes, têm de sair um pouco do que é convencional e até esperado para conseguirem alcançar os objectivos.

Também há aqueles que não chegam a combater, por falta de meios. Vão ficando para trás na sua profissão e na sua escalada para o sucesso, seja lá o que isso signifique em tempo de guerra, ou apenas na concretização das tarefas que lhe eram pedidas. As vítimas de violência, de abandono, e até de auto-exclusão numa espiral de medo e procura de bem-estar, são mencionadas de vez em quando, como quem assinala factos, sem muito a acrescentar, nem a saber o que fazer.

Podemos ler estas linhas a pensar em vários cenários da nossa vida actual. Um desses cenários são as escolas em casa, seja do lado dos alunos e das suas famílias, seja do lado dos professores; e ainda dos professores que têm família com filhos em idade escolar. E é precisamente no meio de uma guerra que estamos, com um inimigo que não vemos, traiçoeiro e certeiro no seu alvo, que despedaça os que estão à sua volta, directa ou indirectamente. Ou seja, todos nós.

Antes da pandemia estávamos num ponto de viragem das escolas e do ensino, a fazermos um esforço enorme para trazermos a escola do futuro até ao presente, fazendo com que o século XIX não engolisse também o século XXI. A flexibilidade curricular, os trabalhos de projecto, as novas tecnologias, as equipas educativas… Parece mesmo que estávamos a preparar o que hoje vivemos. As tecnologias mais do que nunca são imprescindíveis. A criatividade necessária aos trabalhos de projecto e a obrigatória inclusão de cada um do grupo, onde a diversidade é constante, são também neste momento características que se não as temos, temos que as forjar on job. Da flexibilidade nem vale a pena falar, pois é óbvio o jogo de cintura que todos temos que ter para levar cada dia e cada semana a bom porto, sem nos deixarmos cair na tentação de baixar a fasquia, o que para alguns, que são muitos, é inevitável e até mesmo um detalhe de tudo isto.

Não era preciso tanto para trazermos a escola para o século XXI…Um trabalho forçado e com danos que se antevêem graves para todos. Tal como numa guerra clássica, dos livros de História, há falta de meios em muitas trincheiras, as comunicações falham ou são inexistentes, as vítimas acontecem a olhos vistos, seja por violência de vários géneros, seja dentro do quartel, seja em cenário de guerra com cyberbullying e auto exclusão; os comandos fazem de tudo para sobreviver e para se reinventarem, com criatividade e trabalho de grupo, tenho dúvidas que chegue a haver trabalho de equipa, mas estão cansados e stressados.

Antes das escolas fecharem, sentiu-se o cerco a apertar, as linhas da frente, que faziam barreira e protegiam os alunos, começaram a quebrar-se. As escolas, enquanto instituição continuaram a ter a resposta adequada em termos de segurança e protecção sanitária, mas uma escalada de cada vez mais familiares infectados e também profissionais da educação, tomou a escola de susto, fechando-a. Os alunos andavam assustados, instáveis e muito desconfortáveis. O recolhimento protegeu-os e a todos nós, do vírus, mas não dos efeitos deste combate ao vírus.

Vivendo conscientemente estas consequências, estamos não só a combater na linha da frente, o melhor que sabemos e conseguimos, e ao mesmo tempo a preparar o amanhã? Ou vai ser outro salve-se quem puder? O que vamos ter quando desconfinarmos? Como vão estar os alunos? E os professores? Onde vão estar os professores mais experientes? Sabendo que é necessário recuperar as aprendizagens, será essa a prioridade? Quais os riscos da ‘fuga para a frente’? O que ficará para sempre? Quais os sentimentos que não vamos conseguir ultrapassar tão depressa? Quais os factos com que vamos ter de ter em conta? Qual será o novo ponto de partida de actualização e modernização das escolas? Qual é novo paradigma educativo que estamos a construir? Diz o ditado que quem pergunta ouve mentiras. Que o ditado não se cumpra, neste tempo de guerra, mas que perguntas poderosas e com impacto consigam tirar de cada um de nós, consciencialização e os planos de acção que melhor contribuam para a escola do século XXI.

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