Roupa: Retalhistas cancelam pedidos enquanto fábricas lutam para sobreviver

A crise está a chegar a países como o Bangladesh que dependem das exportações de têxteis. Ali, as fábricas estão a lutar para permanecerem abertas.

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Rui Gaudêncio/Arquivo

Os retalhistas europeus e norte-americanos têm excesso de stock e, por isso, reduziram os seus pedidos para as colecções de Primavera. Além de atrasos nos pagamentos, os fabricantes enfrentam também o perigo de fecharem as suas fábricas na Ásia. A indústria global de vestuário, cambaleando após um doloroso 2020, vê as suas esperanças de recuperação a ser destruídas pelas novas vagas da covid-19 que obrigaram a novos confinamentos. 

Ainda há retalhistas que estão a tentar vender peças adquiridos há um ano. Por exemplo, a cadeia britânica Primark revela que ainda tem em armazém produtos da colecção Primavera/Verão de 2020 no valor de cerca de 150 milhões de libras (173 milhões de euros) e 200 milhões de libras (231 milhões de euros) da colecção Outono/Inverno. A consultora McKinsey diz que o valor das roupas não vendidas em todo o mundo, em lojas e depósitos, varia entre 140 a 160 mil milhões de euros, mais do que o dobro dos níveis normais.

A britânica Marks & Spencer e a alemã Hugo Boss avançam que fizeram menos pedidos do que o normal para a colecção de Primavera deste ano. Não são os únicos, outros retalhistas estão a fazer o mesmo, diz Ron Frasch, ex-presidente da Saks Fifth Avenue que agora é sócio operacional da empresa Castanea Partners, que trabalha com várias marcas de vestuário. Além disso, estão a atrasar-se nos pagamentos, refere. O que a empresa Li & Fung de Hong Kong, que administra mais de 10.000 fábricas em 50 países, incluindo players globais, confirma à Reuters, recusando-se a fornecer outros detalhes.

Fábricas em crise

A crise está a chegar a países como o Bangladesh que dependem das exportações de têxteis. Ali, as fábricas estão a lutar para permanecerem abertas. Segundo a Associação de Fabricantes e Exportadores de Vestuário de Bangladesh, 50 fábricas disseram ter recebido menos 30% de pedidos do que o normal nesta altura do ano.

“Os pedidos costumam chegar com três meses de antecedência. Mas não há pedidos para Março”, informa Shahidullah Azim, proprietário da fábrica de Dhaka, cujos clientes incluem retalhistas norte-americanos e europeus. “Estamos a trabalhar com 25% da capacidade. Tenho alguns pedidos para manter a fábrica em funcionamento até Fevereiro. Depois disso, não sei o que o futuro nos reserva para nós. É difícil dizer como vamos sobreviver. ”

Miran Ali, que representa a Star Network, uma aliança de fabricantes em seis países asiáticos, e que possui quatro fábricas no Bangladesh, enfrenta problemas semelhantes. “Neste momento, eu deveria estar a funcionar em pleno pelo menos até Março e a ter uma boa quantidade de encomendas para o Outono/Inverno a chegar”, diz. 

Asif Ashraf, outro proprietário de uma fábrica em Daca que faz roupas para retalhistas globais, confessa que está a ser difícil ajustar-se. “Nós produzimos o tecido e estamos prontos para costurar as roupas, mas eles dizem-nos que os pedidos estão em espera.”

Vender o máximo

Com a ameaça de encerrar lojas até ao Verão, alguns retalhistas estão a tentar vender o máximo possível dos seus excedentes antes de fazer novas encomendas, diz a firma de reciclagem e revenda Parker Lane Group. Raffy Kassardjian, CEO da empresa, refere que o seu negócio passou de processar uma média de 1,5 milhão de itens de vestuário excedente por mês para mais de quatro milhões em Janeiro, o mês mais movimentado de todos os tempos.

O ano passado foi terrível para a indústria do vestuário, que viu as suas vendas caírem cerca de 17% em relação a 2019, segundo a Euromonitor. E o futuro é incerto. As estimativas para este ano variam de previsões pessimistas de uma queda de 15% nas vendas, segundo a McKinsey, para uma recuperação de 11%, calcula a Euromonitor.

Há alguma esperança para os fabricantes e retalhistas? “Qual é a grande tendência entre os consumidores britânicos? O uso de pijama”, responde Steve Rowe, CEO da Marks & Spencer, no mês passado. Também a Hugo Boss refere o mesmo fenómeno, dizendo que “simplificou” a sua gama de clássicos e ampliou o leque de roupa casual”.

Mas esta tendência não é um conforto para muitos dos proprietários de fábricas. “A procura por pijamas está em alta”, reconhece Miran Ali. “Mas nem todos podemos fazer pijamas!”

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