Se é para adiar, adiamos já!

O adiamento das eleições autárquicas não é consensual e divide posições dentro e fora dos partidos. Assim, a ideia falha na forma e não só, pela falência simultânea dos seus pressupostos.

Ainda não sabemos o que pretendem os partidos para as autárquicas, em termos programáticos, mas já conhecemos, pelo menos, os que defendem que as eleições devem ou não ser adiadas.

Contudo, se é para adiar, adiemos já o debate sobre se deve ou não o país adiar as eleições autárquicas. O assunto não é consensual, nem verifica tão pouco uma concordância expressiva, por dividir posições dentro e fora dos partidos políticos. Assim, a ideia falha na forma e não só, pela falência simultânea dos seus pressupostos.

Em janeiro, a ameaça da abstenção alimentou a retórica do adiamento das eleições presidenciais, que aconteceram na sombra do estado de emergência, suscitando os maiores anseios sobre o sucesso do debate político e as maiores dúvidas relativamente à participação eleitoral. Apesar de tudo, esgotou-se um conjunto de alternativas possíveis que permitiram a realização das eleições na data inicialmente definida, sem a inflação prevista provocada pela pandemia sobre os valores da abstenção, que continua a preocupar, por crescer na medida da tendência entre cada eleição.

Das eleições nacionais para as autárquicas desaparece a força da televisão e o alcance mediático que proporciona. A pandemia veio acentuar o modelo da campanha digital e online para o poder local, até então caracterizado pelos eventos de massas e de proximidade com os eleitores, no terreno. O novo normal da política, passado um ano, beneficia quem está no poder, apesar do susto inicial dos que, tendo a responsabilidade, não sabiam exatamente o que fazer nem como, perante um desconhecimento quase absoluto, à data, relativamente à pandemia. Estas são as eleições mais impróprias para o surgimento de novos protagonistas. Não há tempo, nem houve, para que candidatos desconhecidos se deem, ou dessem, a conhecer. Nem há atenção, como entretanto não houve, por parte do eleitorado para descobrir novos rostos.

Adiar as autárquicas para abril não chega para inverter esta realidade. Surge por ordem decrescente de vantagem acentuada a cadeira do poder, depois a oposição conhecida e, sucessivamente, o desconhecido pelo universo eleitoral.

A pré-campanha dos autarcas eleitos está em curso e corresponde ao combate à pandemia, no tempo e no modo de exercer o poder ou de fazer oposição: mais solidariedade e mais participação têm melhor aceitação e terão mais votos nas urnas.

A covid-19 entrará nos programas eleitorais para as autarquias da mesma forma que preencheu os pontos dos planos de atividades e as rubricas dos orçamentos municipais para este ano. A pandemia trará novos compromissos para o futuro a nível local, nomeadamente na ação social e na economia. Como se não bastasse, o contexto pandémico agudizou as críticas dos grupos de cidadãos eleitores em relação à nova lei eleitoral autárquica, que o bloco central aprovou, e suscitou a possibilidade da criação de um partido que abranja todos os movimentos independentes.

A pandemia veio conceder à política uma nova espécie de moratória, para quem está no governo ou na oposição, por se perdoarem os erros políticos, prorrogando a sua consequência, com a justificação da urgência da saúde pública ou da economia. Assim, há ministros a escapar a demissões, no lado do poder, e investidas fracassadas das correntes alternativas internas dos partidos, na oposição.

Antes de qualquer justificação política, o adiamento das eleições autárquicas assente no subterfúgio da pandemia é a declaração de colapso, a priori, da plano de vacinação.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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