A presunção da autoridade moral

Mas, afinal, o que propõe Esther Mucznik? Que eu, um simples cidadão cuja vida, já longa, foi devotada à defesa de valores humanistas, seja o bode expiatório da maleita, afinal não extirpada, do preconceito anti-semita na sociedade portuguesa?

Hesitei em responder ao artigo da Senhora Mucznik, mas atendendo ao facto de familiares meus que reivindicam uma ancestralidade judaica terem ficado perplexos com o ocorrido, decidi esclarecer este penoso equívoco. O equívoco resulta de um tweet que publiquei, e que apaguei, tendo-me retratado. Usei uma generalização que reconheço abusiva ao referir-me aos judeus.

A Senhora Mucznik entendeu, mesmo assim, pronunciar-se sobre essa minha falha, ofendendo gravemente o meu carácter e fazendo tábua rasa de toda uma vida de serviço, e logo num jornal de grande impacto na opinião pública.

Interrogo-me sobre o conteúdo do texto da senhora Esther Mucznik e sobre as verdadeiras motivações da sua publicação.

Interrogo-me sobre o que pretende ao imputar-me um preconceito anti-semita.

Interrogo-me sobre o motivo por que quer pôr em causa o combatente que se empenhou no derrube duma Ditadura e na defesa da Constituição da República, se bateu pela Democracia, pelas Liberdades e pelos Direitos dos Povos, negando-lhe esse compromisso.

Interrogo-me se pretende afirmar a existência do preconceito anti-semita em Portugal a partir dum ataque ad hominem.

Sim, é esse o objectivo que a Senhora Mucznik persegue, ao estabelecer um laço entre um gesto prontamente reparado e a persistência em Portugal dessa mentalidade preconceituosa, ao insinuar de forma capciosa e malévola a falência dos meus princípios democráticos e dos meus valores humanistas.

Uma tese que encaixa bem num “pogrom” político inquietantemente parecida com as que encontramos em libelos acusatórios da “Santa” Inquisição.

Mas, afinal, o que propõe a Senhora Mucznik?

Que eu, um simples cidadão cuja vida, já longa, foi devotada à defesa de valores humanistas, seja o bode expiatório da maleita, afinal não extirpada, do preconceito anti-semita na sociedade portuguesa?

Bateu à porta errada, buscando pura e simplesmente sensacionalismo. Tenho bem presente a perseguição de que foram alvo os judeus, ao longo dos séculos, e o abominável Holocausto do século XX.

Aristides de Sousa Mendes, nesse nefasto período, representa uma bandeira para os Humanistas que, como eu, se reclamam defensores da dignidade humana.

E não vi que a Senhora Mucznik, que viveu já em idade adulta, e sendo cidadã portuguesa, anos de censura e repressão, tivesse tido a coragem de denunciar em tempo da Ditadura a ostracização e silêncio a que aquele herói português foi votado.

Nem depois de 25 de Abril de 1974, momento em que todos quiseram afirmar-se democratas, vi a Senhora Mucznik erguer a sua voz para lamentar que um passado de injustiças e sofrimento do povo judeu não ilumine os actuais dirigentes israelitas num caminho de respeito pelo crucificado povo palestiniano.

Aí sim, para além do permanente desrespeito dos mais elementares direitos, não só de uma minoria, mas de um povo inteiro, da imposição de muros e segregações dolorosas, de humilhações repugnantes, de restrições às liberdades individuais incluindo a religiosa, em desrespeito total por acordos internacionais, resoluções da ONU e da opinião pública mundial, podemos encontrar o exemplo mais danoso da falta de qualquer compromisso social.

O assassinato de Yitzhak Rabin explica tudo isso.

É claro que a Senhora Mucznik, que vive num País Livre, onde tem garantido o exercício de todas as liberdades políticas e cívicas, pode continuar livremente a alertar para os perigos internos de Portugal e considerar as iniquidades do que se passa na Palestina como um problema menor.

Afinal onde está, Senhora Mucznik, o tal compromisso social que nega a quem lutou para dar Liberdade ao seu Povo, quando não assume os maiores atropelos aos direitos humanos da História Contemporânea?

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