A crise tratada com um encolher de ombros

Não vale a pena acreditar que uma crise desta dimensão se vence sem dor. Mas, se há danos inevitáveis, mandar um avião para repatriar portugueses ou impedir que cestas alimentares básicas se esgotem não fazem parte dessa categoria.

Anda no ar um torpor alimentado pela fadiga que está a normalizar a gravidade da crise e a levar o Governo, os partidos e a generalidade do país em teletrabalho ou com emprego garantido a acreditar que tudo acontece como não podia deixar de acontecer. É essa crença na inevitabilidade que há-de explicar a displicência com que o Governo encara a sorte de centenas de portugueses isolados no Brasil pela suspensão do tráfego aéreo. É essa sensação de rotina que leva o Estado a exigir regras inalcançáveis a empresas carentes de apoios para sobreviverem. Ou a suspender programas de apoio à actividade empresarial por causa de uma torrente de pedidos muito acima do previsto. Ou ainda a deixar que os programas de ajuda alimentar se esgotem e deixem de acudir a milhares de famílias em carência profunda.

O esforço que o Ministério da Economia ou do Trabalho fazem e fizeram nos últimos meses exige reconhecimento e compreensão. A decisão de poupar em cativações em 2020 ou a prudência que levou as Finanças a impor tectos que puseram Portugal no terceiro pior lugar europeu nas despesas com a pandemia têm de ser discutidas no contexto de um país pobre e com uma dívida pública que um dia terá de ser paga com austeridade e dor. A resistência do país medida em indicadores como o do emprego ou até no PIB junta-se a todo este rol de circunstâncias que ajudam a criar a falsa ideia de que o país, como se dizia no tempo da troika, “ai aguenta, aguenta”.

Cair nessa ilusão simplificadora e falsa é um erro – porque não acolhe a realidade de milhares de portugueses que não conseguem sequer aceder a cestas básicas de alimento por excesso de procura; porque não reconhece o impacte destruidor do actual confinamento sobre um tecido económico arrasado por quase um ano de pandemia; porque cria no país uma imensa multidão de excluídos das promessas que todos os dias o Governo faz nas televisões.

Não vale a pena acreditar que uma crise desta dimensão se vence sem dor. Ou que basta a vontade política para superar os seus custos. Mas, se há danos inevitáveis, mandar um avião para repatriar portugueses ou impedir que cestas alimentares básicas se esgotem ou até garantir que empresas viáveis não morram no confinamento não fazem parte dessa categoria. A parte pior da crise económica e social, para nosso lamento, está ainda para vir. Para lhe responder, o Governo terá de ser enérgico e determinado. Terá de ser capaz de prever os seus custos, em vez de andar atrás do prejuízo.

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