Na vida e na Internet: só podemos ser ódio ou salvação?

Sinto que existe uma necessidade urgente de parar. É bastante curioso que a necessidade de parar exista quando a maioria das pessoas estão “paradas”. Quando falo em necessidade de parar, falo de travar a pressa que nos corre no corpo.

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Marta Guerreiro

O cansaço é tanto que acabamos por virar costas à empatia. Quando tal, anda tudo aos empurrões e a tentar ocupar o espaço que obviamente está em falta. É a dor de quem trabalha muito e a dor de quem não trabalha. É a solidão de quem está em casa sem companhia e a revolta de quem está em casa sem conseguir respirar ou arranjar espaço para estar em silêncio. É a constante luta da minha vida ser pior que a tua. Geralmente, não estamos a discutir realidades que requerem posicionamentos, mas vidas “comuns” com obstáculos da circunstância actual e não de vidas que precisam de luta de e para sempre. As realidades que requerem posicionamento fazem parte de outras conversas, não desta. 

Existem pessoas que por não estarem bem vão, mesmo que inconscientemente, consumir a energia de qualquer outra pessoa ao falar dos seus problemas. Quem não estiver disponível para ouvir repetidamente será egoísta na pintura. Temos também as pessoas que vão sempre reforçar a quem está mal, de que poderia estar pior. A invalidação da realidade individual. Vai haver quem alinhe neste e vários braços de ferro e faça agenda nos conflitos das casas que não lhes pertencem: casas online

A quantidade de ódio gratuito que se lê em contas de Facebook, Instagram, Twitter e por aí diante fala imenso sobre o que somos enquanto sociedade e comunidade — não somos. Somos equipas. Temos lados. Não conseguimos fazer avaliações que nascem em nós. Falta inteligência emocional. É generalização, sim. Fica a ideia. 

Falar sobre a dor de cada pessoa não me assusta. Ouvir a dor de cada pessoa não me assusta. Aquilo que me assusta é sentir que cada vez mais só temos duas opções: somos de ódio e cuspimos desejos de morte só porque sim (realidade que se não fosse virtual poderia ter consequências legais bastante sérias e mesmo online poderão e deverão ter) ou somos as pessoas que tanto abraçamos todas as dores, que nos esquecemos de respirar e encontrar detalhes bonitos nas coisas mais mundanas, mais aleatórias. Ignoramos a nossa realidade por respirarmos a dor que não é nossa.  

A forma como manifestamos empatia (ou a falta dela) acaba por ter ligação óbvia com a situação, por exemplo, política. A vida não é só de extremos e também não está estagnada. A nossa dor é válida, mas também é válido existirem pessoas que se querem resguardar da dor colectiva para a preservação da própria saúde mental e isso não faz de ninguém menos empático. Existem mais opções além de desejar morte a alguém ou entrar num buraco de tristeza pela dor alheia.  

Sinto que existe uma necessidade urgente de parar. É bastante curioso que a necessidade de parar exista quando a maioria das pessoas estão “paradas”. Quando falo em necessidade de parar, falo de travar a pressa que nos corre no corpo. Precisamos de começar a reflectir antes de saltarmos para o ódio, começar a reflectir antes de abraçarmos tantas dores que já nem sabemos distinguir qual é nossa e qual não é. Também temos que aprender que decidir não nos rodear de peso, não é acto de egoísmo, é acto de amor — amor a nós, ao nosso bem-estar — até para que consigamos ajudar numa outra altura, sem ficarmos em pedacinhos.  

O cansaço é tanto que acabamos por virar costas à empatia. Quando tal anda tudo aos empurrões e a tentar ocupar o espaço que obviamente está em falta. Aquilo que é preciso é sentir empatia — por quem trabalha muito, quem está sem trabalhar, quem não tem companhia, quem gostava de silêncio, por nós e por quem, por necessidade, neste momento não consegue estar ou ser para outras pessoas. Amor-próprio não é ser egoísta e só ver o umbigo, mas também não é uma competição de quantas frentes conseguimos ocupar e salvar até nos afogarmos. 

Esse ódio que se vê e que se lê é de quem não mora em amor, precisa de resposta urgente, sim, mas também é ok se não conseguirmos responder a tudo. As nossas casas online, WhatsApps ou casas físicas também têm porta de saída e não somos menos se não quisermos acolher quem quer pegar fogo ao ninho. Calçar os sapatos de outras pessoas é exercício urgente — descalçar os nossos sapatos e esticar as pernas também.  

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