Sexualidade em tempos de pandemia

Tal como conseguimos diminuir o contágio da infeção por coronavírus com as medidas de prevenção recomendadas, está ao nosso alcance parar a epidemia VIH/sida através de práticas sexuais seguras! Numa comparação próxima, a utilização de preservativo/máscara ser preferível à abstinência/confinamento!

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sergey mikheev/Unsplash

Quando pensamos em “protecção”, a primeira coisa que nos vem à cabeça são máscaras e álcool gel! O mundo, pela primeira vez em gerações, foi atingido por uma pandemia. E, muito provavelmente, nada será como dantes.

Um ano de covid-19 teve impacto profundo na sociedade e na forma como nos relacionamos enquanto pessoas. Alguém que ouse partilhar o nosso metro quadrado enquanto estamos no supermercado é uma ameaça. Uma fotografia de um concerto, de um bar ou de um restaurante apinhado de pessoas é encarada agora com a estranheza de algo que não pertence a este mundo, nem a este tempo. O contacto com o outro, uma acção outrora vista como simples e natural, é agora motivo de ansiedade.

No entanto, o Homem é um animal social e a sexualidade uma necessidade básica.

Nos últimos anos, uma das grandes ameaças à sexualidade foi a pandemia por Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) que, desde os anos 1980, ameaçou a espécie humana. Em 2019, cerca de 38 milhões de pessoas viviam com a infecção VIH (UNAIDS). Contudo, o desenvolvimento e globalização da terapêutica anti-retrovírica, eficaz e bem tolerada, permitiu, aos 26 milhões de pessoas sob terapêutica, em Junho de 2020, o aumento da qualidade de vida e uma esperança média de vida semelhante à da restante população.

Com o tratamento anti-retrovírico conseguiu-se, ainda, um ganho adicional: a não-transmissão da infecção, mesmo nas relações sexuais sem preservativo, bastando, para isso, que a carga viral esteja indetectável, uma vez que indetectável=intransmissível. Para os casais serodiscordantes que queiram ter filhos é possível a concepção natural, sem risco de transmissão da infecção ao parceiro e ao filho.

Além disto, desde 2018 que está aprovada, em Portugal, a utilização da Profilaxia de pré-exposição da Infecção por VIH (PrEP), que permite, a quem a toma, protecção contra a aquisição da infecção por VIH. A PrEP está recomendada para quem tem relações sexuais desprotegidas com pessoas que desconhecem a sua serologia VIH ou para quem tem um parceiro infectado por VIH, que não está sob terapêutica ou tem carga viral detectável.

Contudo, apesar dos avanços no combate a esta infecção, o estigma social perdura, continuando a ser uma carga importante na vida das pessoas que vivem com VIH, fazendo com que a maior parte sofra em silêncio o peso do diagnóstico. Por esse motivo, existe a necessidade de vencer a ignorância, preconceito e medo através da partilha de informação e do esclarecimento sobre esta infecção e tantas outras infecções sexualmente transmitidas (ISTs), como a infecção por Chlamydia, Gonorreia ou Sífilis, que continuam a ser muito prevalentes. É, por isso, fundamental salientar a necessidade premente da utilização de preservativo e de clínicas de diagnóstico de ISTs na comunidade, de fácil acesso, facilitando a aproximação à população em risco, oferecendo técnicas de rastreio, tratamento e educação para a saúde.

Como consequência da pandemia iremos, expectavelmente, verificar um atraso no diagnóstico de novas infecções por VIH, que poderão ser diagnosticadas em fases mais avançadas de doença, uma diminuição da distribuição de PrEP, devido à diminuição da actividade programada dos hospitais, um decréscimo do rastreio de ISTs e um provável aumento do trabalho sexual.

Apesar destes contratempos, tal como conseguimos diminuir o contágio da infeção por coronavírus com as medidas de prevenção recomendadas, está ao nosso alcance parar a epidemia VIH/sida através de práticas sexuais seguras! Numa comparação próxima, a utilização de preservativo/máscara ser preferível à abstinência/confinamento!

Dra. Sara Lino,

Especialista em Infecciologia no Hospital Curry Cabral

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