Destroços do navio que naufragou frente a Melides em 1626 terão sido encontrados

Os investigadores recolheram uma tábua da embarcação para confirmar, através da análise dos anéis de crescimento da madeira, se os destroços são do navio holandês Schoonhoven.

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A elevada precipitação atmosférica ocorrida no Sul do país e na primeira metade de Fevereiro traduziu-se no aumento repentino das escorrências à lagoa de Melides, provocando na última quarta-feira, dia 10, o rompimento da língua da areia que separa o sistema lagunar do oceano. O canal aberto pela violência das águas, numa extensão com cerca de uma centena de metros, acabou por expor destroços de uma embarcação.

Daniel Vilas, praticante de surf, passou no local e estranhou o aparecimento do achado no interior da lagoa de Melides. Comunicou a descoberta a Luís Alegre, técnico superior da Agência Portuguesa do Ambiente no litoral alentejano, que rapidamente passou a mensagem, “permitindo o registo do achado”, adiantou ao PÚBLICO o arqueólogo Alexandre Monteiro, que lidera a equipa envolvida no projecto Um Mergulho na História.  

Os investigadores optaram por uma intervenção de “emergência, dada a reduzida janela temporal” para monitorizar e avaliar o estado de conservação deste achado fortuito, que só era visível durante a maré baixa.

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Os primeiros vestígios da presença de uma embarcação no interior da lagoa de Melides já “haviam sido antes identificados por mergulhadores”, explicou ao PÚBLICO Céu Novais, porta-voz da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), sem que tivesse sido possível obter dados mais concretos. Até agora.

Desta vez, e sabendo-se que as circunstâncias não facultavam uma observação mais profunda, os investigadores procederam ao “registo tridimensional do destroço e à recolha de uma tábua de forro exterior da embarcação”.

Recorrendo à dendrocronologia, método de datação através da análise dos anéis de crescimento da madeira, a amostra de madeira vai ser analisada e é considerada “fundamental” para validar a hipótese de se tratar de destroços do navio holandês Schoonhoven, que, segundo registos históricos, naufragou ao largo de Melides a 23 de Janeiro de 1626.

Documentação inédita

Os dados que venham a ser obtidos serão decisivos para afirmar “com maior certeza” se os destroços descobertos pertenciam ao “malogrado Schoonhoven, que terá tentado provavelmente abrigar-se em Melides numa última manobra desesperada”.

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A informação histórica disponível, incluindo estampas publicadas em obras desta época, mostram que existia um estuário onde hoje se localiza a lagoa, “sendo, pois, possível a navios de porte considerável fundearem junto à vila de Melides”, observa a DGPC.

Segundo Alexandre Monteiro, os vestígios trazidos à luz do dia na sequência da abertura da lagoa de Melides ao mar, “possivelmente”, serão do navio Schoonhoven. O arqueólogo subaquático diz ter consultado “documentação inédita”, pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino, e a arquivos holandeses, que lhe possibilitou “identificar Melides” como o local da ocorrência do naufrágio do Schoonhoven.

A informação que recolheu descreve o percurso da embarcação desde que partiu de Texel, na Holanda, a 20 de Dezembro de 1625, sob o comando de Kornelis Hartman. O navio, de 400 toneladas, “um pouco maior que uma caravela” e que fora “utilizado no tráfico de escravos”, foi construído em 1619 e pertencia à Câmara de Amesterdão da Companhia Holandesa das Índias Orientais (Verenigde Oostindische Compagnie, VOC). Ia realizar a sua terceira viagem em direcção à Ásia, num percurso que foi “tragicamente interrompido” na costa portuguesa, a 23 de Janeiro de 1626, há 395 anos. 

O registo dos acontecimentos a seguir ao naufrágio que Alexandre Monteiro facultou ao PÚBLICO destaca o testemunho de Agostinho Dias, que assistia em Melides ao corte de madeira de pinho que se destinava à construção de naus da Índia. 

Nas cartas que enviou ao vedor da Fazenda Luís da Silva, dava-lhe conta de como “naquela paragem dera à costa, por temporal, uma nau holandesa. Da gente que levava, morreu a maior quantidade”. O Conselho da Fazenda diz que, dos cerca de 200 homens que formavam a tripulação do Schoonhoven, morreram 174. Os sobreviventes (24) foram conduzidos a Lisboa, “aprisionados como inimigos da Grande Ibéria”. Mais informava que a embarcação transportava “11 âncoras e 16 peças de fogo, duas de corso e outras de defesa”.

No decorrer dos séculos que medeiam do naufrágio até ao presente, os destroços do navio holandês terão ficado soterradas nas areias da actual da lagoa de Melides, até que um inesperado fenómeno natural colocou a descoberto destroços que se julga poderem pertencer ao Schoonhoven. Poucos dias depois da sua descoberta, os vestígios foram reenterrados pelas dinâmicas do estuário e irão ficar, de novo, sob as águas da lagoa. Há, contudo, uma dúvida que subsiste: a de se saber, se vier a ser comprovado que se trata, de facto, do navio holandês, se no seu interior estarão ainda cerca de 30 mil moedas de prata. 

A monitorização e avaliação, nomeadamente do estado de conservação do achado, foram asseguradas por uma equipa do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS) da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), em conjunto com a Direcção Regional de Cultura do Alentejo e os investigadores do projecto apoiado pelo Orçamento Participativo de Portugal 2018 “Um Mergulho na História”. A investigação realizada nos destroços do navio contou ainda com a colaboração da Câmara de Grândola da Administração da Região Hidrográfica do Alentejo, da GNR, da Capitania do Porto de Sines e da Polícia Marítima.

Notícia actualizada às 16h11

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